EU PREFIRO MELÃO - Em sua biografia escrita por Tuna Dwek, “Alma de Cetim”, lançada pela Imprensa Oficial, você narra de forma comovente e marcante suas memórias e experiências da infância, bem como as raízes de sua cidade natal, Botucatu. De que forma essas vivências contribuíram para a formação do escritor que você é hoje? Já transpôs alguma experiência vivida nessa época para alguma de suas obras?
ALCIDES - Eu sempre digo que a Tuna Dwek foi extremamente sensível quando transpôs nossas conversas para o papel. Eu vivi e ela escreveu. Botucatu tem um papel muito importante em minha vida. Minha família está naquela cidade desde que ela era uma vila (parte de uma fazenda de jesuítas – traduzindo: final do século XVII). E, se for calcular, eu já morei mais tempo fora do que lá. Estou com 60 anos e saí de Botucatu para estudar Direito em São Paulo (com 18 anos). Mas o que foi vivido por meus ancestrais, a minha infância, a minha adolescência... tudo ficou registrado de forma indelével em meu coração. Não acho que ela seja a melhor cidade do mundo, e dificilmente voltaria a morar lá. Mas aquela serra demarca meu primeiro espaço físico no mundo. Isso não é pouco. Sem dúvida, muito do que vivi lá foi transposto para a minha obra – tanto teatral quanto televisiva. Mesmo em novelas de outros autores (onde eu fui co-autor), como no caso das cinco em que estive com Sílvio de Abreu, há referências marcantes. Dona Armênia (de “Rainha da Sucata” e “Deus nos Acuda”, vivia se referindo a “Baitatatu”, e à goibada-cascão da dona Calica (que realmente existe, é uma grande doceira, e foi vizinha de minha família). Em “O Amor está no Ar” coloquei muito das cidades do interior de São Paulo (diferentes das de todo o Brasil). E em “Ciranda de Pedra” eu citei amigos e pessoas de lá. O mais importante foi o legado que recebi de minha família, e isso poderia ter acontecido em qualquer outra cidade. Tive a sorte de nascer em uma casa onde sempre foi privilegiada a cultura.
EU PREFIRO MELÃO - O que diferencia o Alcides dramaturgo do Alcides autor de televisão? E o que um acrescenta ao outro?
ALCIDES- As diferenças são imensas. No teatro, eu solto meus bichos sem pudor algum. A cena suporta isso. Mergulho fundo nas minhas dúvidas e esmiúço a minha visão de mundo. Tanto que meu teatro é bastante visceral, cheio de referências, fruto da pós-pós-pós modernidade, carnavalizado e enraizado na intertextualidade. Na televisão, sou um autor mais realista, ou totalmente realista, próximo ao naturalismo, buscando retratar o dia-a-dia, sem grandes vôos poéticos (de vez em quando eles acontecem, mas são, basicamente, marca registrada de meu teatro). Gosto muito dos dois veículos, mas tive que aprender a conviver com as diferenças entre eles. Antigamente eu dizia que gostava mais de teatro. Bobagem. A televisão também tem sua magia. Resta descobrir qual é e como usá-la.
EU PREFIRO MELÃO - De suas três novelas-solo (“De quina pra lua”, “O amor está no ar” e “Ciranda de Pedra”) qual a sua favorita e que aprendizado você adquiriu com cada uma delas?
ALCIDES - A melhor é, sem dúvida, “Ciranda de Pedra”. É uma obra madura. Apesar de ter sido, muitas vezes apedrejado (principalmente nos blogs da internet), fui MUITO fiel ao livro da Lygia. A prova foi o apoio que ela me deu o tempo todo. O problema de remakes e adaptações é, sempre, a memória afetiva que o telespectador guarda da primeira obra. Muitas vezes ele nem sabe do que e porque gostou tanto da versão anterior, e já rejeita a nova. No caso de “Ciranda”, embora eu não tenha visto a adaptação do Teixeira Filho, de 1981, mas somente lido os capítulos (ainda estava morando na Suíça, e cheguei ao Brasil no final desse ano, para lançar no teatro “Lua de Cetim”), eu nem chamo de remake. Foram adaptações completamente diversas uma da outra. O Teixeira, com todo o talento dele, optou por uma visão mais horizontal, focando nas diferenças sociais entre os universos expostos – Vila Mariana e Jardim Europa; eu fiquei com a estrutura lygeana, vertical, psicológica, contando a história a partir do desagregamento familiar provocado pelo casamento infeliz de Laura e Natércio, o amor quase impossível de Daniel e Laura, e as vidinhas das três meninas: Otávia, Bruna e Virgínia. Fui muito atacado por Ana Paula Arósio fazer o papel de Laura. Disseram que ela era muito jovem etc... Isso é bobagem. Estrela não tem idade! A própria Ana Paula já tinha feito, em “Um Só Coração” (minissérie assinada por Maria Adelaide Amaral e por mim), a Yolanda Penteado, desde a saída da adolescência até quase 60 anos. E ninguém reclamou!!!!! Choveram elogios. A mesma coisa aconteceu com Lucélia Santos, que fez Virgínia na adaptação do Teixeira. Lucélia é das maiores atrizes deste país e, sem medo de exageros... do mundo! Digo isso com convicção, pois ela está fazendo uma peça minha – “As Traças da Paixão”. Lucélia é o máximo! Tem talento que não acaba mais, fora o carisma. Mas ninguém venha me dizer que ela tinha a idade de Virgínia, de uma adolescente de 13/14 anos, em 1981. Mais: ao mesmo tempo em que ela fazia essa menina na telinha, na telona encarnava Luz Del Fuego, com a MESMA verdade! Volto a repetir: isso não tem a menor importância!!!! Estrelas de verdade fazem qualquer papel, como Ana Paula e como Lucélia. Acontece que os fãs de Lucélia são xiitas. Eu já disse isso a ela, e também ao Aladim Miguel, presidente do fã-clube da nossa querida atriz... Na época, recebi muitas muitas cartas para que escalasse Lucélia de novo, ou como Virgínia (!!!!!!) ou como Laura. Tenho certeza de que nem a própria Lucélia gostaria disso. Voltando à novela em si: o livro de Lygia Fagundes Telles é denso, duro, trata de muitos assuntos polêmicos, como doença mental, eutanásia, suicídio, impotência sexual masculina, lesbianismo... Como colocar tudo isso às 18 horas, ainda mais com a classificação etária? O Teixeira deixou tudo de lado, a não ser a doença de Laura e a impotência de Conrado (que, na adaptação dele, tinha outro nome). Eu também enfoquei a doença de Laura e transformei a impotência sexual de Conrado (que hoje já não é mais um problema insolúvel) em impotência afetiva, emocional, que poderia dar muito mais estofo ao personagem. E, com cuidado, na base da sutileza, usando metáforas, acabei colocando a eutanásia praticada por Daniel, o suicídio dele, o lesbianismo de Letícia etc... Sei que muita gente não entendeu muito bem o final da novela... mas o jornal O Estado de São Paulo publicou que tinha sido o último capítulo mais ousado de uma novela das 18 horas. Adorei!!!!! Não posso deixar de mencionar os autores maravilhosos que estavam comigo (Mario Teixeira, Lúcio Manfredi e Cristiane Dantas) e a direção-geral de Carlos Araújo, um cúmplice, um artista superlativo, um grande companheiro de trabalho. E, em momento algum (que isso fique bem claro) fui pressionado pela Rede Globo. Mesmo com a novela não atingindo a audiência esperada. A qualidade do produto pesou mais. “De Quina pra Lua” serviu para mostrar que o apressado come cru. Eu não tinha bagagem suficiente para segurar aquela novela, ainda mais porque a sinopse do Benedito Ruy Barbosa era mínima, sem aprofundar nada... e não pintou a tão necessária dobradinha com a direção (a não ser com Mario Marcio Bandarra, amigão e um diretor maravilhoso). O elenco eu adorava. Só que eu escrevia a novela sozinho. Isso mesmo, sozinho! Sem computador (não havia na época), sem colaborador, sem pesquisador, sem nada... Era a época da Casa de Criação Janete Clair. Eu tinha um leitor, que acompanhava os capítulos e com quem trocava figurinhas. Para minha sorte, esse leitor era o Sergio Marques que, depois, veio a se tornar um ótimo autor. O Sergio foi meu porto seguro durante esse trabalho complicadíssimo. Fora o estresse provocado pelo Benedito, que tendo entregado a sinopse a mim, continuava me telefonando todo dia, para reclamar disso e daquilo. Quando cheguei ao capítulo 60, não tive dúvida: fui para o Rio, procurei o Dias Gomes e disse que estava entregando a novela. Houve uma reunião difícil, complicada... Eu estava rastejando, a ponto de nunca mais sair do buraco. Aí, o grande amigo Walter Negrão entrou na jogada. Não para escrever, mas para ficar comigo, com toda a sua experiência. E o Benedito parou de me perturbar. Em tempo: tenho enorme respeito pelo Benê, mas ele estava atravessando uma péssima fase, e não deveria ter feito isso comigo. Acho que ele nem se lembra mais dessa história, e é bom... MAS EU ME LEMBRAREI ATÉ O FINAL DOS MEUS DIAS!!!! O Benedito é um autor tão importante, que não precisa disso em seu currículo. Linda foi a postura do elenco, que ficou o tempo todo comigo. Adoro todos eles!!!!! “O Amor está no Ar” poderia ter sido uma grande novela. A trama era bacana, o Silvio de Abreu era o meu supervisor... Mas houve um miscasting horrendo! Ao lado de atores e atrizes que “vestiam” com perfeição os personagens, como Rodrigo Santoro, Natália Lage, Betty Lago, Isabela Garcia, Caco Ciocler, Luiz Mello, Thierry Figueira, Tuca Andrada, Natália do Vale, Georgiana Goes e tantos outros e outras... havia nomes que não tinham nada a ver... e que foram impostos (impostos mesmo) sem que eu ou o Silvio pudéssemos fazer nada. Fora isso, houve um desentendimento sério entre Wolf Maya (diretor do núcleo) e Ignácio Coqueiro (diretor-geral), e a coisa respingou na novela. Eu adoro os dois, mas fiquei no meio do tiroteio!!!! O Ignácio acabou mostrando todo o seu talento em “Poder Paralelo”... e o Wolf não precisa provar nada. Mas, naquele momento, eu tinha de ser preservado! A minha sorte foi estar com Bosco Brasil e Filipe Miguez, grandes e talentosos amigos e companheiros... Aliás, até hoje não entendo porque o Filipe não fez uma novela. Ele é o máximo!!!! De tudo isso, aprendi que não se pode dar o passo maior que a perna, e que todo autor deveria fazer o curso do Itamaraty para administrar tantos problemas. Mas não me arrependo de nada!
EU PREFIRO MELÃO - Você costuma dizer que aprendeu o “be-a-bá” da teledramaturgia com o Walther Negrão e se “pós-graduou” com o Sílvio de Abreu, mas também colaborou com outros autores como Lauro César Muniz e Gilberto Braga. Qual é o grande desafio do trabalho de colaboração? O que você aprendeu com eles no que diz respeito à rotina e divisão do trabalho que aplica no trato com seus próprios colaboradores?
ALCIDES - Como contei, já escrevi uma novela sozinho. Loucura total!!!! Não desejo isso a ninguém. Os colaboradores e co-autores são fundamentais. Eles alimentam a novela, sugerindo tramas, descobrindo caminhos, criando características fortes para os personagens. Sem dúvida, o rumo da história não pode sair do controle do autor-titular. Mas o sucesso da obra está nas mãos dessa equipe toda. Há autor que nem cita quem está criando com ele. É um absurdo, uma mentira! Fico muito bravo com quem “esconde” os nomes de co-autores e colaboradores. Para que um ego tão inchado? Felizmente trabalhei com autores do bem... pessoas generosas, que me ensinaram muito, como Negrão, Silvio, Gilberto e Lauro... São todos grandes autores e sempre colocaram o know-kow à diposição dos que estavam na equipe. Claro que aproveitei para aprender tudo o que era possível. O processo de trabalho em equipe é muito complexo. Há quem prefira equipes pequenas e enxutas, como Silvio, Negrão e Lauro... (eu me incluo nessa categoria), e outros que preferem equipes maiores (como Gilberto e Linhares). Eu brinco com eles dizendo que se trata de uma administração de condomínio. O grande desafio que cabe ao autor-titular é manter a sua marca e, ao mesmo tempo, absorver a colaboração dos outros membros do grupo. Nem sempre é fácil. Há também a questão da administração da própria novela, que cabe ao titular. É muito desgastante, porque isso “rouba” o tempo da criação: é preciso falar com a empresa, com a direção, com mídia (geralmente perversa e fofoqueira), com atores, com a produção (e suas diversas equipes)... A única forma de sobrevivência é delegar funções. De todos os autores com quem trabalhei, Silvio e Gilberto são os mais organizados. O Lauro possui uma maneira muito própria de criar, e é necessário um tempo para se acostumar com ela... mas ele é MUITO generoso. Com Negrão, é pura alegria! No computador ou fora dele, o Negrão é aquela pessoa que está sempre de bem com a vida. Foi bom você tocar nesse assunto. Digo, por experiência própria, que alguém só se torna um bom autor passando por todas essas fases. Novela, hoje, é um produto MUITO complexo, no qual foi investido muito dinheiro, e o retorno, em termos de audiência, é uma necessidade. Mas o titular que não enxergar a novela como resultado do esforço de toda uma equipe está equivocado... profundamente equivocado.
EU PREFIRO MELÃO - “Força de um desejo” (cuja sinopse é de sua autoria), que escreveu em parceria com Gilberto Braga, foi uma novela primorosa e, considerada por muitos apreciadores do gênero como uma das melhores novelas do horário das seis de todos os tempos. Como foi criar uma novela tão boa mantendo o estilo de dois autores tão especiais como você e Gilberto?
ALCIDES - Não vou dar uma de falso modesto: adoro “Força de um Desejo” e concordo que foi uma novela primorosa. Tenho certeza de que poderia ter sido exibida (naquela época, 1999/2000) no horário das 20 horas. A história da sinopse já é uma novela em si. Eu a escrevi, tomando como plot um livro muito pouco conhecido do Visconde de Taunay – “A Mocidade de Trajano” – e adaptei da maneira mais livre possível. Entreguei a sinopse ao Paulo Ubiratan. Ele morreu (infelizmente, pois faz um falta imensa) e a sinopse sumiu. Tempos depois, o Marcos Paulo achou a própria e mandou para a Marluce Dias da Silva (que comandava a emissora na época). Eu estava com o Silvio e o Bosco Brasil em “Torre de Babel”. Para resumir a ópera, a sinopse foi parar nas mãos do Gilberto, que gostou bastante dela (apesar de achar que, de Taunay, não tinha nada kkkkkk) e propôs um segundo tratamento, a quatro mãos. Foi assim que nasceu a novela, e não se pode deixar de lado a importância de Sergio Marques, que ajudou muito na nova versão da história. Enquanto eu terminava “Torre de Babel”, a minha querida Leonor Bassères (uma das minhas amigas mais queridas lá na Globo), assumiu meu posto na escrita. Deixou sua marca indelével, junto com Ângela Carneiro, Lilian Garcia, Eliane Garcia, Márcia Prates e Sergio Marques. Uma equipe dos sonhos. Sem dúvida isso colaborou muito para que a novela tenha sido tão bonita. Além de estar no núcleo de Marcos Paulo, com direção-geral de Mauro Mendonça Filho. A direção de arte foi um primor, assim como cenários, figurinos, iluminação, tudo... E a sintonia que sempre houve entre Gilberto e eu desta vez foi total. Como somos dois vampiros, trocávamos figurinhas às quatro horas da manhã (rsrsrsrs). Usando o meu bordão, Gilberto é um príncipe! E um mestre! Apesar de imensa (foi uma das novelas mais longas da Globo), a equipe toda criou sempre num clima bom, sem pressão, sem brigas... E com aquele elenco – um dream team – só podia dar certo! Tenho muito orgulho da “Força”, principalmente por ter estado com todas essas pessoas tão especiais!
EU PREFIRO MELÃO - Momento “Caras” (risos): como é seu dia-a-dia quando não está escrevendo? Sei que você é um grande apreciador de cinema, por exemplo, e que ama viajar. O que o “Tide” faz nos momentos de lazer?
ALCIDES - Já fui muito baladeiro. Ia pra rua de segunda a segunda. Vejam só: acabei caseiro. Saio pouco, muito pouco. Gosto de ir tomar café de madrugada, com amigos (a Tuna Dwek é minha parceira constante – sorvete e café), vou ao cinema e ao teatro... Vou a livrarias, galerias de arte e lojas de discos (ADORO música e tenho uma coleção bem bacana)... Leio, leio, leio... Vejo muito DVD... Às vezes, dois filmes por noite... até o sol raiar. E gosto de viajar. Tenho minhas cidades preferidas, como Paris (principalmente), Londres, Madrid, Lisboa... e procuro sempre conhecer um lugar novo (no ano passado fui parar na Cracóvia e em Auschwitz!!! Em São Paulo, curto um jantarzinho (afinal, a culinária maravilhosa desta cidade é uma tentação)... E passeio pela cidade: centro velho, Jardins, Higienópolis... Sou consumista: adoro comprar desde roupa até bobagens que nunca irei usar, mas que são bonitas... Mas o que me dá maior prazer, fora as viagens, é andar de carro pela cidade, de madrugada, sem destino, ouvindo música. Principalmente rock e electro... Gosto imensamente de São Paulo! Apesar de todos os defeitos e problemas de uma megalópolis desvairada, eu me sinto acolhido por esta cidade.
EU PREFIRO MELÃO - Você já pensou em adaptar alguma obra teatral sua para a TV?
ALCIDES - Não. Como disse lá no comecinho, teatro é teatro e tv é tv. Eu mutilaria uma obra teatral e não faria um bom programa para a telinha. A única pessoa que conheci que fazia isso brilhantemente foi o Walter Durst. Mas, claro, sempre acabo usando um personagem ou uma situação de minhas peças em novelas. Comecei a escrever primeiro para o teatro e depois para a televisão. Aconteceu algo muito bom: a linguagem de um veículo ajudou a do outro. Hoje sei que meu teatro ganhou agilidade por causa da televisão e esta ganhou maior estofo na criação de personagens e cenas por causa do teatro.
EU PREFIRO MELÃO - Suas minisséries em parceria com Maria Adelaide Amaral (“Um só coração” e “JK”) primam pela reconstituição de época perfeita e rico panorama histórico de nosso país. Como é a responsabilidade de contar histórias de personagens reais? Já pensou em escrever alguma minissérie que fuja a essas características em que os personagens sejam totalmente fictícios?
ALCIDES - Sempre digo e nunca vou me cansar de repetir: trabalhar com Maria Adelaide é um sonho! E não é tão difícil entender isso: temos uma amizade que começa lá atrás, na Editora Abril, uma história teatral, muitoooooooooooooos amigos em comum... e, quase sempre, gostamos dos mesmos filmes, das mesmas peças, dos mesmos livros.... Freqüentamos o mesmo universo aqui em São Paulo. É muita afinidade! Além de sermos (os dois) crias do Silvio de Abreu. Com ele escrevemos “Próxima Vítima “ e “Deus nos Acuda”, e ele foi supervisor da Maria Adelaide e meu. O Trio Parada Dura! Voltando às minisséries históricas: Maria Adelaide é uma super historiadora. Além do que conhece, ela pesquisa a fundo. Isso dá gosto, puxa a gente, motiva... Nas duas minisséries, os temas eram complexos: em “Um Só Coração”, a história de São Paulo, contada pelo ponto de vista cultural, da Semana de Arte Moderna (1922) até o IV Centenário da cidade (1954), tudo focado no casal Yolanda Penteado e Ciccilo Matarazzo ... e, em “JK”, a trajetória do presidente, de seu nascimento em Diamantina (1902) até a sua morte, em um acidente de carro na Dutra (1976), em plena Ditadura Militar. É MUITO complicado contar a vida de pessoas reais, mesmo quando deixamos claro que, ainda que baseada em fatos reais, a obra é ficcional. Estamos tratando de pessoas que existiram (muitas foram ícones)... e isso exige uma responsabilidade ética, um rigor histórico muito grande. Mas toda história é uma boa história. E foi assim que em “Um Só Coração”, com Lúcio Manfredi e Rodrigo Arantes do Amaral... e em “JK”, com Geraldo Carneiro, Letícia Mey e Rodrigo Arantes do Amaral, conseguimos retratar dois momentos tão importantes da vida brasileira. Mais uma vez contamos com preciosos pesquisadores e equipes de primeira linha para direção de arte, figurinos, cenários... Não tenho dúvida de que esses trabalhos estão entre os melhores já produzidos e exibidos pela rede Globo. Quanto a uma minissérie com personagens totalmente fictícios, ainda não pensei nisso. É uma bela idéia que você está me dando. Many thanks!
EU PREFIRO MELÃO - Você pode adiantar detalhes de seu novo projeto para a Rede Globo? O que podemos esperar dessa vez?
ALCIDES - Entreguei uma sinopse para uma novela das 18 horas. É assinada por mim e por Mario Teixeira. Afinal, nós construímos uma ótima dobradinha em “Ciranda de Pedra”. Queremos contar uma bela história de amor, folhetinesca mas moderna, ambientada no novo universo rural – principalmente o do estado de São Paulo – onde corre muiiiiiiito dinheiro, e as pessoas têm um nível de vida muito elevado. E problemas também, claro. Há muitas armações, muitas maracutaias e muito humor. Deve entrar na grade de 2011, pois as próximas produções já estão fechadas. Isso é bom. Temos mais tempo para trabalhar nas tramas. Eu e Mario fomos retirando nossas histórias dos baús e acho que chegamos a uma boa trama! A vilã é maravilhosa kkkkkk.
EU PREFIRO MELÃO - Você é noveleiro? Que novelas (não valem as suas...rs!) você mais gostou como telespectador?
ALCIDES - Antes de começar a escrever para a telinha, eu via pouquíssima coisa na televisão. Novelas, as das 22 e, de vez em quando, alguma coisa das 20 horas. Não tinha muito interesse. Mas não perdi “Escalada”, do Lauro, que considero a melhor telenovela brasileira. E “O Rebu”, muitas outras... Depois, a coisa mudou e comecei a ver tudo: as das 18, das 19, das 20, das 22, seriados etc... Hoje, não. Até porque, lendo o belo artigo do Lauro César Muniz que o blog publicou, concordo com ele: a televisão perdeu a ousadia. Por que não há mais programas como “O Casarão”, “Roque Santeiro”, “Nina”, “Malu Mulher”, “Ciranda, Cirandinha”, “Armação Ilimitada” (eu era apaixonado pela Zelda!!!!)???? Claro que há histórias que me prendem. Adorei “A Favorita”, acho que “Passione” e “Ti-Ti-Ti” vêm com tudo, gostei muito de “Paraíso Tropical”, com Bebel e Olavo arrasarando!!... CACHORRA!... Curtia bastante “Desejo Proibido” e achei ruim terem encurtado... Mas fico mais com as minisséries (“Desejo”, “Hoje é dia de Maria” – o primeiro, o segundo foi insuportável - , “Labirinto”, “Dalva e Herivelto” me comoveram) e com os seriados (“Cinquentinha” foi um achado). Juro que não sou saudosista, mas a televisão ficou careta!
EU PREFIRO MELÃO - Você considera o gênero “telenovela” como algo menor se comparado ao cinema ou teatro? Qual o papel da telenovela na vida do brasileiro?
ALCIDES - De maneira alguma!!! (CARA DE INDIGNADO!). Sem essa de ser menor... A telenovela, hoje, é o grande entretenimento do brasileiro, que não pode comprar livro ou disco, ir ao cinema ou teatro, porque NÃO TEM dinheiro... mesmo o país tendo melhorado bastante. Fora a questão do entretenimento, a televisão avançou na discussão de muitos temas: homossexualidade, a questão racial, a questão da mulher, prostituição, drogas, exclusão social, a questão dos portadores de deficiências... a discussão das maracutaias políticas... Por ter um feedback muito rápido, a novela consegue se ajustar ao que o telespectador busca. Isso não é uma posição passiva, não! Trata-se de assumir, de vez por todas, que a novela é SIM uma obra aberta.
EU PREFIRO MELÃO - Pra terminar, que conselho daria a um jovem roteirista que aspira a trabalhar na TV?
ALCIDES - Muitos só enxergam o glamour da profissão. Garanto que é o que menos existe. Conta é o trabalho exaustivo. A vida para quando se está escrevendo uma novela. Mas, para quem quer ir adiante, aconselho a nunca deixar de perseguir o sonho, por mais distante que ele possa parecer. E vá acumulando experiências: veja novelas, filmes, seriados, minisséries... e leia leia leia leia! Não há bagagem mais preciosa! Leia de bula de remédio a Proust... mas leia!
EU PREFIRO MELÃO - Que pergunta que não fiz que você gostaria de responder?
ALCIDES - Nenhuma. Você é inteligente, respeitoso e muito elegante. Eu é que pergunto: qual resposta você acha que eu não deveria ter dado?????????
Imagina! TODAS as respostas foram essenciais. Sem mais, termino confessando: “Alcides, quando crescer quero ser igual a você”.
ALCIDES - Eu sempre digo que a Tuna Dwek foi extremamente sensível quando transpôs nossas conversas para o papel. Eu vivi e ela escreveu. Botucatu tem um papel muito importante em minha vida. Minha família está naquela cidade desde que ela era uma vila (parte de uma fazenda de jesuítas – traduzindo: final do século XVII). E, se for calcular, eu já morei mais tempo fora do que lá. Estou com 60 anos e saí de Botucatu para estudar Direito em São Paulo (com 18 anos). Mas o que foi vivido por meus ancestrais, a minha infância, a minha adolescência... tudo ficou registrado de forma indelével em meu coração. Não acho que ela seja a melhor cidade do mundo, e dificilmente voltaria a morar lá. Mas aquela serra demarca meu primeiro espaço físico no mundo. Isso não é pouco. Sem dúvida, muito do que vivi lá foi transposto para a minha obra – tanto teatral quanto televisiva. Mesmo em novelas de outros autores (onde eu fui co-autor), como no caso das cinco em que estive com Sílvio de Abreu, há referências marcantes. Dona Armênia (de “Rainha da Sucata” e “Deus nos Acuda”, vivia se referindo a “Baitatatu”, e à goibada-cascão da dona Calica (que realmente existe, é uma grande doceira, e foi vizinha de minha família). Em “O Amor está no Ar” coloquei muito das cidades do interior de São Paulo (diferentes das de todo o Brasil). E em “Ciranda de Pedra” eu citei amigos e pessoas de lá. O mais importante foi o legado que recebi de minha família, e isso poderia ter acontecido em qualquer outra cidade. Tive a sorte de nascer em uma casa onde sempre foi privilegiada a cultura.
EU PREFIRO MELÃO - O que diferencia o Alcides dramaturgo do Alcides autor de televisão? E o que um acrescenta ao outro?
ALCIDES- As diferenças são imensas. No teatro, eu solto meus bichos sem pudor algum. A cena suporta isso. Mergulho fundo nas minhas dúvidas e esmiúço a minha visão de mundo. Tanto que meu teatro é bastante visceral, cheio de referências, fruto da pós-pós-pós modernidade, carnavalizado e enraizado na intertextualidade. Na televisão, sou um autor mais realista, ou totalmente realista, próximo ao naturalismo, buscando retratar o dia-a-dia, sem grandes vôos poéticos (de vez em quando eles acontecem, mas são, basicamente, marca registrada de meu teatro). Gosto muito dos dois veículos, mas tive que aprender a conviver com as diferenças entre eles. Antigamente eu dizia que gostava mais de teatro. Bobagem. A televisão também tem sua magia. Resta descobrir qual é e como usá-la.
EU PREFIRO MELÃO - De suas três novelas-solo (“De quina pra lua”, “O amor está no ar” e “Ciranda de Pedra”) qual a sua favorita e que aprendizado você adquiriu com cada uma delas?
ALCIDES - A melhor é, sem dúvida, “Ciranda de Pedra”. É uma obra madura. Apesar de ter sido, muitas vezes apedrejado (principalmente nos blogs da internet), fui MUITO fiel ao livro da Lygia. A prova foi o apoio que ela me deu o tempo todo. O problema de remakes e adaptações é, sempre, a memória afetiva que o telespectador guarda da primeira obra. Muitas vezes ele nem sabe do que e porque gostou tanto da versão anterior, e já rejeita a nova. No caso de “Ciranda”, embora eu não tenha visto a adaptação do Teixeira Filho, de 1981, mas somente lido os capítulos (ainda estava morando na Suíça, e cheguei ao Brasil no final desse ano, para lançar no teatro “Lua de Cetim”), eu nem chamo de remake. Foram adaptações completamente diversas uma da outra. O Teixeira, com todo o talento dele, optou por uma visão mais horizontal, focando nas diferenças sociais entre os universos expostos – Vila Mariana e Jardim Europa; eu fiquei com a estrutura lygeana, vertical, psicológica, contando a história a partir do desagregamento familiar provocado pelo casamento infeliz de Laura e Natércio, o amor quase impossível de Daniel e Laura, e as vidinhas das três meninas: Otávia, Bruna e Virgínia. Fui muito atacado por Ana Paula Arósio fazer o papel de Laura. Disseram que ela era muito jovem etc... Isso é bobagem. Estrela não tem idade! A própria Ana Paula já tinha feito, em “Um Só Coração” (minissérie assinada por Maria Adelaide Amaral e por mim), a Yolanda Penteado, desde a saída da adolescência até quase 60 anos. E ninguém reclamou!!!!! Choveram elogios. A mesma coisa aconteceu com Lucélia Santos, que fez Virgínia na adaptação do Teixeira. Lucélia é das maiores atrizes deste país e, sem medo de exageros... do mundo! Digo isso com convicção, pois ela está fazendo uma peça minha – “As Traças da Paixão”. Lucélia é o máximo! Tem talento que não acaba mais, fora o carisma. Mas ninguém venha me dizer que ela tinha a idade de Virgínia, de uma adolescente de 13/14 anos, em 1981. Mais: ao mesmo tempo em que ela fazia essa menina na telinha, na telona encarnava Luz Del Fuego, com a MESMA verdade! Volto a repetir: isso não tem a menor importância!!!! Estrelas de verdade fazem qualquer papel, como Ana Paula e como Lucélia. Acontece que os fãs de Lucélia são xiitas. Eu já disse isso a ela, e também ao Aladim Miguel, presidente do fã-clube da nossa querida atriz... Na época, recebi muitas muitas cartas para que escalasse Lucélia de novo, ou como Virgínia (!!!!!!) ou como Laura. Tenho certeza de que nem a própria Lucélia gostaria disso. Voltando à novela em si: o livro de Lygia Fagundes Telles é denso, duro, trata de muitos assuntos polêmicos, como doença mental, eutanásia, suicídio, impotência sexual masculina, lesbianismo... Como colocar tudo isso às 18 horas, ainda mais com a classificação etária? O Teixeira deixou tudo de lado, a não ser a doença de Laura e a impotência de Conrado (que, na adaptação dele, tinha outro nome). Eu também enfoquei a doença de Laura e transformei a impotência sexual de Conrado (que hoje já não é mais um problema insolúvel) em impotência afetiva, emocional, que poderia dar muito mais estofo ao personagem. E, com cuidado, na base da sutileza, usando metáforas, acabei colocando a eutanásia praticada por Daniel, o suicídio dele, o lesbianismo de Letícia etc... Sei que muita gente não entendeu muito bem o final da novela... mas o jornal O Estado de São Paulo publicou que tinha sido o último capítulo mais ousado de uma novela das 18 horas. Adorei!!!!! Não posso deixar de mencionar os autores maravilhosos que estavam comigo (Mario Teixeira, Lúcio Manfredi e Cristiane Dantas) e a direção-geral de Carlos Araújo, um cúmplice, um artista superlativo, um grande companheiro de trabalho. E, em momento algum (que isso fique bem claro) fui pressionado pela Rede Globo. Mesmo com a novela não atingindo a audiência esperada. A qualidade do produto pesou mais. “De Quina pra Lua” serviu para mostrar que o apressado come cru. Eu não tinha bagagem suficiente para segurar aquela novela, ainda mais porque a sinopse do Benedito Ruy Barbosa era mínima, sem aprofundar nada... e não pintou a tão necessária dobradinha com a direção (a não ser com Mario Marcio Bandarra, amigão e um diretor maravilhoso). O elenco eu adorava. Só que eu escrevia a novela sozinho. Isso mesmo, sozinho! Sem computador (não havia na época), sem colaborador, sem pesquisador, sem nada... Era a época da Casa de Criação Janete Clair. Eu tinha um leitor, que acompanhava os capítulos e com quem trocava figurinhas. Para minha sorte, esse leitor era o Sergio Marques que, depois, veio a se tornar um ótimo autor. O Sergio foi meu porto seguro durante esse trabalho complicadíssimo. Fora o estresse provocado pelo Benedito, que tendo entregado a sinopse a mim, continuava me telefonando todo dia, para reclamar disso e daquilo. Quando cheguei ao capítulo 60, não tive dúvida: fui para o Rio, procurei o Dias Gomes e disse que estava entregando a novela. Houve uma reunião difícil, complicada... Eu estava rastejando, a ponto de nunca mais sair do buraco. Aí, o grande amigo Walter Negrão entrou na jogada. Não para escrever, mas para ficar comigo, com toda a sua experiência. E o Benedito parou de me perturbar. Em tempo: tenho enorme respeito pelo Benê, mas ele estava atravessando uma péssima fase, e não deveria ter feito isso comigo. Acho que ele nem se lembra mais dessa história, e é bom... MAS EU ME LEMBRAREI ATÉ O FINAL DOS MEUS DIAS!!!! O Benedito é um autor tão importante, que não precisa disso em seu currículo. Linda foi a postura do elenco, que ficou o tempo todo comigo. Adoro todos eles!!!!! “O Amor está no Ar” poderia ter sido uma grande novela. A trama era bacana, o Silvio de Abreu era o meu supervisor... Mas houve um miscasting horrendo! Ao lado de atores e atrizes que “vestiam” com perfeição os personagens, como Rodrigo Santoro, Natália Lage, Betty Lago, Isabela Garcia, Caco Ciocler, Luiz Mello, Thierry Figueira, Tuca Andrada, Natália do Vale, Georgiana Goes e tantos outros e outras... havia nomes que não tinham nada a ver... e que foram impostos (impostos mesmo) sem que eu ou o Silvio pudéssemos fazer nada. Fora isso, houve um desentendimento sério entre Wolf Maya (diretor do núcleo) e Ignácio Coqueiro (diretor-geral), e a coisa respingou na novela. Eu adoro os dois, mas fiquei no meio do tiroteio!!!! O Ignácio acabou mostrando todo o seu talento em “Poder Paralelo”... e o Wolf não precisa provar nada. Mas, naquele momento, eu tinha de ser preservado! A minha sorte foi estar com Bosco Brasil e Filipe Miguez, grandes e talentosos amigos e companheiros... Aliás, até hoje não entendo porque o Filipe não fez uma novela. Ele é o máximo!!!! De tudo isso, aprendi que não se pode dar o passo maior que a perna, e que todo autor deveria fazer o curso do Itamaraty para administrar tantos problemas. Mas não me arrependo de nada!
EU PREFIRO MELÃO - Você costuma dizer que aprendeu o “be-a-bá” da teledramaturgia com o Walther Negrão e se “pós-graduou” com o Sílvio de Abreu, mas também colaborou com outros autores como Lauro César Muniz e Gilberto Braga. Qual é o grande desafio do trabalho de colaboração? O que você aprendeu com eles no que diz respeito à rotina e divisão do trabalho que aplica no trato com seus próprios colaboradores?
ALCIDES - Como contei, já escrevi uma novela sozinho. Loucura total!!!! Não desejo isso a ninguém. Os colaboradores e co-autores são fundamentais. Eles alimentam a novela, sugerindo tramas, descobrindo caminhos, criando características fortes para os personagens. Sem dúvida, o rumo da história não pode sair do controle do autor-titular. Mas o sucesso da obra está nas mãos dessa equipe toda. Há autor que nem cita quem está criando com ele. É um absurdo, uma mentira! Fico muito bravo com quem “esconde” os nomes de co-autores e colaboradores. Para que um ego tão inchado? Felizmente trabalhei com autores do bem... pessoas generosas, que me ensinaram muito, como Negrão, Silvio, Gilberto e Lauro... São todos grandes autores e sempre colocaram o know-kow à diposição dos que estavam na equipe. Claro que aproveitei para aprender tudo o que era possível. O processo de trabalho em equipe é muito complexo. Há quem prefira equipes pequenas e enxutas, como Silvio, Negrão e Lauro... (eu me incluo nessa categoria), e outros que preferem equipes maiores (como Gilberto e Linhares). Eu brinco com eles dizendo que se trata de uma administração de condomínio. O grande desafio que cabe ao autor-titular é manter a sua marca e, ao mesmo tempo, absorver a colaboração dos outros membros do grupo. Nem sempre é fácil. Há também a questão da administração da própria novela, que cabe ao titular. É muito desgastante, porque isso “rouba” o tempo da criação: é preciso falar com a empresa, com a direção, com mídia (geralmente perversa e fofoqueira), com atores, com a produção (e suas diversas equipes)... A única forma de sobrevivência é delegar funções. De todos os autores com quem trabalhei, Silvio e Gilberto são os mais organizados. O Lauro possui uma maneira muito própria de criar, e é necessário um tempo para se acostumar com ela... mas ele é MUITO generoso. Com Negrão, é pura alegria! No computador ou fora dele, o Negrão é aquela pessoa que está sempre de bem com a vida. Foi bom você tocar nesse assunto. Digo, por experiência própria, que alguém só se torna um bom autor passando por todas essas fases. Novela, hoje, é um produto MUITO complexo, no qual foi investido muito dinheiro, e o retorno, em termos de audiência, é uma necessidade. Mas o titular que não enxergar a novela como resultado do esforço de toda uma equipe está equivocado... profundamente equivocado.
EU PREFIRO MELÃO - “Força de um desejo” (cuja sinopse é de sua autoria), que escreveu em parceria com Gilberto Braga, foi uma novela primorosa e, considerada por muitos apreciadores do gênero como uma das melhores novelas do horário das seis de todos os tempos. Como foi criar uma novela tão boa mantendo o estilo de dois autores tão especiais como você e Gilberto?
ALCIDES - Não vou dar uma de falso modesto: adoro “Força de um Desejo” e concordo que foi uma novela primorosa. Tenho certeza de que poderia ter sido exibida (naquela época, 1999/2000) no horário das 20 horas. A história da sinopse já é uma novela em si. Eu a escrevi, tomando como plot um livro muito pouco conhecido do Visconde de Taunay – “A Mocidade de Trajano” – e adaptei da maneira mais livre possível. Entreguei a sinopse ao Paulo Ubiratan. Ele morreu (infelizmente, pois faz um falta imensa) e a sinopse sumiu. Tempos depois, o Marcos Paulo achou a própria e mandou para a Marluce Dias da Silva (que comandava a emissora na época). Eu estava com o Silvio e o Bosco Brasil em “Torre de Babel”. Para resumir a ópera, a sinopse foi parar nas mãos do Gilberto, que gostou bastante dela (apesar de achar que, de Taunay, não tinha nada kkkkkk) e propôs um segundo tratamento, a quatro mãos. Foi assim que nasceu a novela, e não se pode deixar de lado a importância de Sergio Marques, que ajudou muito na nova versão da história. Enquanto eu terminava “Torre de Babel”, a minha querida Leonor Bassères (uma das minhas amigas mais queridas lá na Globo), assumiu meu posto na escrita. Deixou sua marca indelével, junto com Ângela Carneiro, Lilian Garcia, Eliane Garcia, Márcia Prates e Sergio Marques. Uma equipe dos sonhos. Sem dúvida isso colaborou muito para que a novela tenha sido tão bonita. Além de estar no núcleo de Marcos Paulo, com direção-geral de Mauro Mendonça Filho. A direção de arte foi um primor, assim como cenários, figurinos, iluminação, tudo... E a sintonia que sempre houve entre Gilberto e eu desta vez foi total. Como somos dois vampiros, trocávamos figurinhas às quatro horas da manhã (rsrsrsrs). Usando o meu bordão, Gilberto é um príncipe! E um mestre! Apesar de imensa (foi uma das novelas mais longas da Globo), a equipe toda criou sempre num clima bom, sem pressão, sem brigas... E com aquele elenco – um dream team – só podia dar certo! Tenho muito orgulho da “Força”, principalmente por ter estado com todas essas pessoas tão especiais!
EU PREFIRO MELÃO - Momento “Caras” (risos): como é seu dia-a-dia quando não está escrevendo? Sei que você é um grande apreciador de cinema, por exemplo, e que ama viajar. O que o “Tide” faz nos momentos de lazer?
ALCIDES - Já fui muito baladeiro. Ia pra rua de segunda a segunda. Vejam só: acabei caseiro. Saio pouco, muito pouco. Gosto de ir tomar café de madrugada, com amigos (a Tuna Dwek é minha parceira constante – sorvete e café), vou ao cinema e ao teatro... Vou a livrarias, galerias de arte e lojas de discos (ADORO música e tenho uma coleção bem bacana)... Leio, leio, leio... Vejo muito DVD... Às vezes, dois filmes por noite... até o sol raiar. E gosto de viajar. Tenho minhas cidades preferidas, como Paris (principalmente), Londres, Madrid, Lisboa... e procuro sempre conhecer um lugar novo (no ano passado fui parar na Cracóvia e em Auschwitz!!! Em São Paulo, curto um jantarzinho (afinal, a culinária maravilhosa desta cidade é uma tentação)... E passeio pela cidade: centro velho, Jardins, Higienópolis... Sou consumista: adoro comprar desde roupa até bobagens que nunca irei usar, mas que são bonitas... Mas o que me dá maior prazer, fora as viagens, é andar de carro pela cidade, de madrugada, sem destino, ouvindo música. Principalmente rock e electro... Gosto imensamente de São Paulo! Apesar de todos os defeitos e problemas de uma megalópolis desvairada, eu me sinto acolhido por esta cidade.
EU PREFIRO MELÃO - Você já pensou em adaptar alguma obra teatral sua para a TV?
ALCIDES - Não. Como disse lá no comecinho, teatro é teatro e tv é tv. Eu mutilaria uma obra teatral e não faria um bom programa para a telinha. A única pessoa que conheci que fazia isso brilhantemente foi o Walter Durst. Mas, claro, sempre acabo usando um personagem ou uma situação de minhas peças em novelas. Comecei a escrever primeiro para o teatro e depois para a televisão. Aconteceu algo muito bom: a linguagem de um veículo ajudou a do outro. Hoje sei que meu teatro ganhou agilidade por causa da televisão e esta ganhou maior estofo na criação de personagens e cenas por causa do teatro.
EU PREFIRO MELÃO - Suas minisséries em parceria com Maria Adelaide Amaral (“Um só coração” e “JK”) primam pela reconstituição de época perfeita e rico panorama histórico de nosso país. Como é a responsabilidade de contar histórias de personagens reais? Já pensou em escrever alguma minissérie que fuja a essas características em que os personagens sejam totalmente fictícios?
ALCIDES - Sempre digo e nunca vou me cansar de repetir: trabalhar com Maria Adelaide é um sonho! E não é tão difícil entender isso: temos uma amizade que começa lá atrás, na Editora Abril, uma história teatral, muitoooooooooooooos amigos em comum... e, quase sempre, gostamos dos mesmos filmes, das mesmas peças, dos mesmos livros.... Freqüentamos o mesmo universo aqui em São Paulo. É muita afinidade! Além de sermos (os dois) crias do Silvio de Abreu. Com ele escrevemos “Próxima Vítima “ e “Deus nos Acuda”, e ele foi supervisor da Maria Adelaide e meu. O Trio Parada Dura! Voltando às minisséries históricas: Maria Adelaide é uma super historiadora. Além do que conhece, ela pesquisa a fundo. Isso dá gosto, puxa a gente, motiva... Nas duas minisséries, os temas eram complexos: em “Um Só Coração”, a história de São Paulo, contada pelo ponto de vista cultural, da Semana de Arte Moderna (1922) até o IV Centenário da cidade (1954), tudo focado no casal Yolanda Penteado e Ciccilo Matarazzo ... e, em “JK”, a trajetória do presidente, de seu nascimento em Diamantina (1902) até a sua morte, em um acidente de carro na Dutra (1976), em plena Ditadura Militar. É MUITO complicado contar a vida de pessoas reais, mesmo quando deixamos claro que, ainda que baseada em fatos reais, a obra é ficcional. Estamos tratando de pessoas que existiram (muitas foram ícones)... e isso exige uma responsabilidade ética, um rigor histórico muito grande. Mas toda história é uma boa história. E foi assim que em “Um Só Coração”, com Lúcio Manfredi e Rodrigo Arantes do Amaral... e em “JK”, com Geraldo Carneiro, Letícia Mey e Rodrigo Arantes do Amaral, conseguimos retratar dois momentos tão importantes da vida brasileira. Mais uma vez contamos com preciosos pesquisadores e equipes de primeira linha para direção de arte, figurinos, cenários... Não tenho dúvida de que esses trabalhos estão entre os melhores já produzidos e exibidos pela rede Globo. Quanto a uma minissérie com personagens totalmente fictícios, ainda não pensei nisso. É uma bela idéia que você está me dando. Many thanks!
EU PREFIRO MELÃO - Você pode adiantar detalhes de seu novo projeto para a Rede Globo? O que podemos esperar dessa vez?
ALCIDES - Entreguei uma sinopse para uma novela das 18 horas. É assinada por mim e por Mario Teixeira. Afinal, nós construímos uma ótima dobradinha em “Ciranda de Pedra”. Queremos contar uma bela história de amor, folhetinesca mas moderna, ambientada no novo universo rural – principalmente o do estado de São Paulo – onde corre muiiiiiiito dinheiro, e as pessoas têm um nível de vida muito elevado. E problemas também, claro. Há muitas armações, muitas maracutaias e muito humor. Deve entrar na grade de 2011, pois as próximas produções já estão fechadas. Isso é bom. Temos mais tempo para trabalhar nas tramas. Eu e Mario fomos retirando nossas histórias dos baús e acho que chegamos a uma boa trama! A vilã é maravilhosa kkkkkk.
EU PREFIRO MELÃO - Você é noveleiro? Que novelas (não valem as suas...rs!) você mais gostou como telespectador?
ALCIDES - Antes de começar a escrever para a telinha, eu via pouquíssima coisa na televisão. Novelas, as das 22 e, de vez em quando, alguma coisa das 20 horas. Não tinha muito interesse. Mas não perdi “Escalada”, do Lauro, que considero a melhor telenovela brasileira. E “O Rebu”, muitas outras... Depois, a coisa mudou e comecei a ver tudo: as das 18, das 19, das 20, das 22, seriados etc... Hoje, não. Até porque, lendo o belo artigo do Lauro César Muniz que o blog publicou, concordo com ele: a televisão perdeu a ousadia. Por que não há mais programas como “O Casarão”, “Roque Santeiro”, “Nina”, “Malu Mulher”, “Ciranda, Cirandinha”, “Armação Ilimitada” (eu era apaixonado pela Zelda!!!!)???? Claro que há histórias que me prendem. Adorei “A Favorita”, acho que “Passione” e “Ti-Ti-Ti” vêm com tudo, gostei muito de “Paraíso Tropical”, com Bebel e Olavo arrasarando!!... CACHORRA!... Curtia bastante “Desejo Proibido” e achei ruim terem encurtado... Mas fico mais com as minisséries (“Desejo”, “Hoje é dia de Maria” – o primeiro, o segundo foi insuportável - , “Labirinto”, “Dalva e Herivelto” me comoveram) e com os seriados (“Cinquentinha” foi um achado). Juro que não sou saudosista, mas a televisão ficou careta!
EU PREFIRO MELÃO - Você considera o gênero “telenovela” como algo menor se comparado ao cinema ou teatro? Qual o papel da telenovela na vida do brasileiro?
ALCIDES - De maneira alguma!!! (CARA DE INDIGNADO!). Sem essa de ser menor... A telenovela, hoje, é o grande entretenimento do brasileiro, que não pode comprar livro ou disco, ir ao cinema ou teatro, porque NÃO TEM dinheiro... mesmo o país tendo melhorado bastante. Fora a questão do entretenimento, a televisão avançou na discussão de muitos temas: homossexualidade, a questão racial, a questão da mulher, prostituição, drogas, exclusão social, a questão dos portadores de deficiências... a discussão das maracutaias políticas... Por ter um feedback muito rápido, a novela consegue se ajustar ao que o telespectador busca. Isso não é uma posição passiva, não! Trata-se de assumir, de vez por todas, que a novela é SIM uma obra aberta.
EU PREFIRO MELÃO - Pra terminar, que conselho daria a um jovem roteirista que aspira a trabalhar na TV?
ALCIDES - Muitos só enxergam o glamour da profissão. Garanto que é o que menos existe. Conta é o trabalho exaustivo. A vida para quando se está escrevendo uma novela. Mas, para quem quer ir adiante, aconselho a nunca deixar de perseguir o sonho, por mais distante que ele possa parecer. E vá acumulando experiências: veja novelas, filmes, seriados, minisséries... e leia leia leia leia! Não há bagagem mais preciosa! Leia de bula de remédio a Proust... mas leia!
EU PREFIRO MELÃO - Que pergunta que não fiz que você gostaria de responder?
ALCIDES - Nenhuma. Você é inteligente, respeitoso e muito elegante. Eu é que pergunto: qual resposta você acha que eu não deveria ter dado?????????
Imagina! TODAS as respostas foram essenciais. Sem mais, termino confessando: “Alcides, quando crescer quero ser igual a você”.
Fonte:Blog Eu Prefiro Melão
http://www.euprefiromelao.blogspot.com
Oi, Breno! Valeu pela força. Realizar essa entrevista com o Tide foi uma de minhas maiores alegrias. Além do profissional competente que todos conhecem, ele á um ser humano especial. Fico feliz que a entrevista tenha sido publicada por aqui também. Forte abraço. Vitor.
ResponderExcluirOlá, meu nome é Vivi Prado, sou artesã e gostaria muito do contato do Alcides, pois quero presentea-lo com uma bolsa que fiz e que ele gostou muito na participação do premio melhor artesão do ano de 2010.
ResponderExcluirObrigada
Vivi Prado
viviprado8@yahoo.com.br
Oi, Vivi!
ResponderExcluirFeliz por tê-la aqui!
Não tenho contato com o autor Alcides Nogueira, mas posso ajudá-la.
Acesse o blog 'Eu Prefiro Melão' do Vítor Santos:
http://www.euprefiromelao.blogspot.com
Ele poderá te informar, pois foi ele quem fez a entrevista com o Alcides pessoalmente e com toda certeza, acredito, sua bolsa chegará até a ele.Aliás, se quiser mostrar seu trabalho neste espaço, esteja a vontade.
Qualquer dúvida ou se precisar, aqui estou!
Apareça sempre aqui no Hipersessão e seja sempre bem-vinda!
Abraços
Breno
o amor está no ar tinha tres protagonistas iniciantes e fraquissimos, betty lago fazia uma inssossa sofia ela realmente nao convence no drama. natalia lage chatissima e rodrigo santoro outro ator fraco. a novela tinha uma bela abertura, e atrizes do naipe de natalia do vale e nicete bruno mais mais como ja disse no inicio o restante do elenco nao cativava o publico que gosta de protagonistas como regina duarte, elizabeth savalla, maria zilda, vera fischer,suzana vieira etc...luciano. juazeiro do norte ce
ResponderExcluir