sábado, 22 de maio de 2010

Por onde anda Roberto Leal?


Com 11 anos, António Joaquim Fernandes veio para o Brasil em um navio com a família. Foi sapateiro, trabalhou em feiras livres, até que, por esses mistérios do destino, como ele diz, conheceu o Chacrinha.

Batizado de Roberto Leal, em homenagem a Roberto Carlos, ele se tornou o “português mais bonito do Brasil”, nas palavras do Velho Guerreiro. Mas, apesar de 36 discos e 17 milhões de cópias vendidas, o cantor precisou acertar as contas com a terra de origem. Mergulhou nas raízes portuguesas, fez a ponte com o Brasil, e agora está em paz. Veja esta entrevista de Roberto Leal ao EGO.

Como você e sua família vieram para o Brasil?
Nós viemos em cinco etapas, nos anos 60. A família era muito grande, e não tínhamos condições financeiras de vir todo mundo junto. Foi muito traumatizante. Vinha um, se refazia, e vinha o outro... Então tinha sempre essa saudade. Foi quando chegou a minha vez. Senti algo que todo imigrante sente: nos primeiros três dias você chora de saudade por tudo o que deixou, e depois começa a pensar se realmente vai conseguir realizar todos os seus sonhos. Lembro de quando cheguei no cais de Santos, na última viagem que o navio fez com passageiros. Meu pai, que já estava no Brasil, nos abraçou e disse: “Graças a Deus estamos todos juntos”. Lembro de atravessar a cidade de São Paulo, pensando: “Quem vai ouvir o grito de um menino português?”. E aí comecei a perceber que tinha que fazer a coisa que mais amava, que era a música.

Em Portugal você já cantava?
Sim. O meu palco era o carro de boi. Era um lugar mais alto onde as pessoas podiam me ver. Eu dava trabalho para os meus irmãos mais velhos, porque rodava as aldeias vizinhas indo nas festinhas, cantando. Desde criança eu só me realizava com a música.

Mas antes de começar a cantar no Brasil você trabalhou em outros ramos, certo?
Eu e minha família trabalhamos nas feiras livres em São Paulo, tínhamos uma barraca de frios. Também trabalhei em uma sapataria. Nos concentramos no bairro Vila Maria, onde morava o pessoal de Trás-os-Montes, nossa região em Portugal. Passamos muita necessidade. Eu sentia que devia ser o salvador da pátria, fazer algo a mais para melhorar nossa situação.

Foi quando você resolveu cantar.
Meu irmão mais velho me levou na escola do professor Manoel Marques, um conterrâneo nosso, que tocava guitarra portuguesa e ensinava canto, violão, piano... Começamos a fazer apresentações. Como eu era muito jovem, loirinho de cabelo comprido, acabava chamando atenção, pois fugia do estereótipo do português bigodudo. Mas percebi que a comunidade portuguesa estava distante dos movimentos que aconteciam no Brasil, como o rock, a Jovem Guarda. Precisava sair daquele gueto. Passei um tempo desanimado, até que o professor Manoel me falou para pensar no que realmente eu queria fazer. Um mês depois eu voltei e disse que queria criar misturas entre os sons do Brasil e de Portugal. Ele então me deu um nome artístico. Disse: “Você foi sempre um menino exemplar, um menino leal. Então você será o Roberto Carlos português, o Roberto Leal”. Aí já me senti um pouco mais artista (risos).

Foi nessa época que você gravou o primeiro disco?
Sim. Modifiquei uma música tradicional portuguesa para um ritmo mais forte, e acabou virando meu primeiro sucesso, “Arebita”. Eu tinha uns 20 anos. Fui ao Rio de Janeiro tentar fazer shows lá, mas ninguém me conhecia, não consegui tocar em lugar nenhum. No dia da volta para São Paulo, insisti para conhecer o Chacrinha. Ele me recebeu sem camisa, tomando água de coco, fazendo a programação. Mostrei a ele meu disquinho. Ele ouviu a primeira vez, a segunda... No domingo seguinte, fiz minha primeira apresentação no Chacrinha.

Como foi a apresentação?
O programa acontecia de 8 às 10 da noite, e depois tinha o Festival da Canção, no Maracanazinho. A hora foi passando e eu não era chamado. Quando faltavam 4 minutos para as 10, ele começou: “Agora vamos chamar o português mais bonito do Brasil!” (Roberto imita o Chacrinha). Eu entrei no desespero, dançando com as mãos para cima, tentando fazer as chacretes dançarem também. Mas elas não conheciam, e só levantaram as mãos faltando 10 segundos para a música acabar. Mas aí acontecem essas coisas da vida, e eu penso que nada é por acaso. Deu um problema técnico na transmissão do festival da Canção e o Chacrinha ganhou mais 3 minutos. Por conta disso, cantei a música mais uma vez. E aí já estava todo mundo de pé, dançando.

E assim você ficou conhecido no Brasil todo.
O sucesso foi tão grande que o português aqui não podia sair na rua. O Chacrinha me colocou então em sete domingos seguidos. E aí não parei mais. O Velho Guerreiro tinha um carinho grande por mim, me ensinou muita coisa, e também gostava muito de aprender. Fazia o programa aos domingos e depois andava pela rua para ver a reação do público. Graças a ele tive diversos sucessos em primeiro lugar neste país. Na fase terminal dele, quando estava muito doente, ele ouviu “Fatamorgana” (versão em português da canção árabe do Dissidenten) , e pediu que eu fizesse mais sete programas com ele. No quinto programa, ele me chamou e pediu minha camisa. Não queria dar, porque estava suada, pedi para dar na semana seguinte, já lavada. Mas ele disse: “Na semana que vem não sei se vou estar aqui”. Eu entendi que ele estava se despedindo de mim. Na sexta-feira seguinte, ele morreu. Minha vida sempre foi marcada por estes pontos importantes.


Desde que se mudou para o Brasil não foi mais para Portugal?
Sempre viajei muito para Portugal para fazer shows, mas era sempre algo que partia do Brasil. Percebi que estava virando turista em meu próprio país. Ia para o hotel, comia bife e batata frita... Precisava fazer um mergulho nas minhas raízes.



Os portugueses ficaram chateados por você estar fazendo sucesso no Brasil?

Ficavam sim. Diziam que eu representava um Portugal diferente. Mas eu estava no Brasil, um país jovem, que gostava de ritmos fortes, quentes. Como eu ia entrar nos programas de auditório cantando um fado? Então eu chegava em Portugal e todos me viam como uma árvore de Natal, todo colorido. Em 1989, resolvi fazer uma viagem profunda, de resgate das raízes. Já no avião, comecei a cantarolar, sem querer, em ritmo de fado, uma música do Roberto Carlos. “Vou cavalgar por toda a noite/Por uma estrada colorida...” (“Cavalgada”). Quando cheguei lá, Roberto estava se apresentando em Portugal. Resolvi mandar flores com um bilhete: “Que Deus te abençoe no meu país como me abençoou no teu”. Ele se emocionou e dedicou o show a mim. “Essa casa está cheia de portugueses, mas há um português que, para nós, brasileiros, é muito importante, pois todos os dias nos lembra de que somos filhos de Portugal”, disse ele no palco. Isso foi maravilhoso, porque os portugueses viram que não estavam me dando o valor que eu tinha. Eu precisava daquele carinho na minha volta a Portugal. Era um filho que retornava à casa do pai. E desde 89 tem sido assim: lá e cá, mais lá do que cá.

Nesse tempo você também gravou discos em mirandês, a segunda língua oficial de Portugal.
Eu fui muito fundo no meu mergulho às raízes. Descobri numa pesquisa que as gaitas de fole são de origem portuguesa. Os bongôs também. Então usei esses instrumentos em dois álbuns que só foram lançados lá: “O canto da terra” e “Raiz”. São cantados em mirandês, que eu achava que era um português rude, mal-falado. Mas nesta pesquisa descobri que era uma língua muito antiga. Então - agora vou dar uma notícia inédita - o álbum “Raiz” passou a ser uma referência da música tradicional portuguesa. Agora estou pleno, estou em paz.

Você que sempre conseguiu ligar Brasil e Portugal, o que acha deste incidente que houve com a Maitê Proença?
Tenho certeza que se pintou um quadro muito maior do que é. Eu sei que Maitê tem amor por Portugal, é de família portuguesa, e sempre o que vi dela foi muito brilhante. Ela é linda por dentro e por fora. Ela só queria fazer graça com algo com que estava à vontade. Só se brinca com a família e com os amigos. Eu tenho certeza que foi por aí. Ela é inteligente suficiente para não fazer algo que pudesse magoar os portugueses. Foi a mesma coisa com os Mamonas Assassinas (com a música “Vira-Vira”). Alguns disseram que era um desrespeito com a música portuguesa, pois tinha palavrão. Até que vi meu filho mais novo cantando, “nesse raio de suruba, ainda não comi ninguém...”. Ele nem entendia o significado, só via que era uma música parecida com a do pai. Eu ia reclamar? A comunidade portuguesa fez abaixo-assinado, reclamou. E os Mamonas acabaram em primeiro lugar em Portugal. Inclusive, no dia seguinte que aconteceu aquela fatalidade, eles tinham viagem marcada para Lisboa, onde nós íamos passear pelo Tejo. Eu seria o anfitrião.

3 comentários:

  1. gostei de conhecer um pouco da vida desse maravilhso ROBERTO LEAL. Maria da Penha ES

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  2. ROBERTO LEAL DEUS tem algo para realzar. Atrav. A ponte nâo demore mais.

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  3. GOSTEI TAMBEM DE CONHECER UM POUCO A TRAGETORIA DESSE GRANDE CANTOR INESQUECIVEL.
    ELE FALA MUITO BEM DO CHACRINHA, ELE RECONHECE ATE HOJE O Q CHACRINHA FEZ COM ELE,ISSO É MUITO GRATIFICANTE PRA VIDA DELE.PARABÉNS, VC É DEZZZZZZ

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