sábado, 15 de maio de 2010
Entrevista com Sílvio de Abrêu, autor da nova novela das 8:Passione
A partir desta segunda-feira (17), um dos autores de novelas de maior expressão do país, Silvio de Abreu, estará de volta ao horário nobre com uma obra que mistura comédia, drama e tons policiais em sua história. Passione estreia na TV Globo com a missão de alavancar a audiência da novela das oito, pois com 'Viver a Vida', de Manoel Carlos, o horário atingiu o mais baixo Ibope da década.
Confira os destaques do canal Divirta-se:
Autor de grande sucessos no currículo, como Cambalacho, Rainha da Sucata e A Próxima Vítima, Silvio de Abreu tem uma verdadeira paixão por assistir e produzir telenovelas tão mirabolantes quanto a sua imaginação. E este paulistano já está completamente inserido no desafio que é escrever o programa de maior apelo do país.
A trama, que conta com um elenco estelar, vai girar em torno de um homem maduro, Totó, feito por Tony Ramos , e que se apaixona por uma garota com idade para ser sua neta sem imaginar que ela é uma tremenda golpista.
Em entrevista ao canal Divirta-se, Silvio de Abreu dá mais detalhes de como será este novo trabalho, as dificuldades de se fazer uma telenovela, os problemas com a baixa audiência e, até mesmo, o porquê de nunca ter ambientado uma de suas tramas em Vitória ou no Espírito Santo.
Silvio, você pode falar um pouco sobre a trama central da história?
Passione é uma novela que vai se desenvolver basicamente com três níveis de dramaturgia: comédia, melodrama e policial. No início nós teremos mais comédia e um pouco de drama. A história começa quando a personagem da Fernanda Montenegro descobre que viveu durante todo o seu casamento com um homem que a enganou, entregando o primeiro filho dela, personagem vivido pelo Tony Ramos, para os empregados o levarem para a Itália. Ela sempre achou que esse filho estava morto e, logo depois, ela descobre que o filho está vivo, viúvo e com filhos. É uma mudança que haverá na vida de duas famílias que já estavam estabilizadas e que, de repente, com a revelação deste segredo, eles recomeçam a viver, tendo que reorganizar suas vidas. O marido da personagem da Fernanda morre e ela assume os negócios, fazendo de tudo para manter aquela família e a indústria funcionando.
Na coletiva de imprensa, você revelou que já sabe como a história vai acabar, ou seja, vai contá-la de trás para frente, assim como em Belíssima?
Quando você começa a escrever uma novela policial, como é o caso de Passione, eu tenho que saber como a novela vai acabar, se não, eu caio numa incoerência. Eu não posso fazer uma história sem saber exatamente aonde ela vai terminar, porque aí eu me perco. Então, para se fazer uma história deste tipo, eu preciso ter um norte. Toda vez que eu trabalho com uma história policial, que envolva crime, eu preciso ter um final pré-estabelecido.
Você disse que Passione terá uma história policial. Dá para você adiantar qual será o mote desta trama?
Eu não vou adiantar nada. Só vou pedir para vocês prestarem atenção porque desde o começo Passione é uma novela policial, só que não parece. Não vai ter ganchos policiais, mas estará sendo contada uma história deste tipo. Ou seja, nem tudo o que estará acontecendo é exatamente o que parece.
Você está herdando o horário de uma das novelas que teve a mais baixa audiência dos últimos dez anos. Isso te preocupa de alguma forma? Existe uma pressão da Globo para que você tente reverter esta situação?
Não é a primeira vez que eu pego o horário depois de uma novela que tenha tido uma baixa audiência. Isso pode acontecer, televisão é assim. Apesar de Viver a Vida ter sido uma novela que teve uma baixa audiência, ela é, ao mesmo tempo, o maior Ibope do país. Aí você se pergunta: o que caiu de audiência? A novela ou a televisão? Se você pegar, todos os programas que estão sendo apresentados, a novela das 8 continua sendo a maior audiência, podemos ver que o que caiu foi o Ibope da televisão, como um todo. O que eu desejo é que a minha trama agrade ao público. Isso, fatalmente, irá resultar em um maior índice de audiência. Mas se não der muitos pontos, não precisa a emissora vir me botar pressão, pois eu mesmo colocarei isso em mim. Porque eu sei o quanto foi gasto para fazer essa novela. É minha obrigação fazer que esse dinheiro investido volte para os cofres da emissora que me pagou.
A imprensa noticiou nos últimos dias que o personagem do Marcelo Antony faria um piloto de automobilismo homossexual. Mas parece que o próprio ator andou desmentindo isso. Afinal de contas, ele será um personagem gay ou não?
Olha, essa história foi inventada pela ou na imprensa. Eu não vou te dizer se ele é gay ou não. Vou esperar para que as pessoas assistam a novela para que tirem, cada um, suas próprias conclusões.
Você acredita que o público brasileiro atualmente aceita com mais naturalidade a presença de personagens homossexuais em relação a alguns anos?
Com certeza. Nessa área, a influência das novelas é muito grande. E olha que já fui até agredido por causa disso na época de A Próxima Vítima, quando mostrei o primeiro casal gay escancarado numa novela das 8. Eu estava em uma sala de cinema quando, sem mais nem menos, um senhor atrás de mim anunciou em voz alta: "Silvio de Abreu, grande autor brasileiro". Eu virei para trás, achando que seria cumprimentado, quando ele continuou: "Você destrói a família brasileira ao defender o homossexualismo. Essa gente toda tem de acabar no inferno". Acredito que prestei um serviço ao retratar os homossexuais com respeitabilidade. Mas a chave da aceitação deles foi a forma como introduzi o tema. Durante boa parte da novela, omiti o fato de que Jeferson e Sandrinho eram gays. Mostrei que eles eram bons amigos, bons filhos e estudantes dedicados - tudo o que o público acha bonito nas pessoas. Só lá pelo capítulo 100 eu exibi esse outro lado. Foi como se dissesse: olhe só, gente, esqueci de contar um detalhe sobre os mocinhos. O noveleiro é, antes de tudo, um manipulador de emoções.
Depois das maldades da personagem Bia Falcão, da novela Belíssima, que caiu no gosto popular, você idealizou alguma vilã ainda mais cruel?
A personagem da Mariana Ximenes será muito mais cruel em relação a Bia Falcão. Pois ela vai no âmago do coração de uma ótima pessoa que se entrega para ela e, mesmo assim, a personagem não consegue gostar de ninguém. Nem desse homem, que é interpretado pelo Tony Ramos, nem das pessoas que estão em volta dela. Ela tem um prazer em fazer maldade. Mas durante a novela, eu vou mostrar o porquê dela ser assim, existe uma justificativa bem clara para isso. Aliás, uma das coisas que gosto em Passione, é que os personagens não são maniqueístas. Ou seja, o bom é bom, o mal é mal. Ela é uma novela onde as pessoas tem características boas e más, nem que uma se sobressaia sobre a outra. Vai ficar claro para o público quem é bom e quem é ruim. Pois o telespectador não gosta de escolher, ele gosta que a gente diga quem é o mocinho e quem é o bandido.
Comenta-se que existe uma certa concorrência entre os autores da Globo para a reserva de atores. Você teve dificuldade na escalação do elenco de Passione?
Eu nunca tive dificuldade de escalar elenco desde quando comecei a trabalhar na Globo. Toda vez que eu convido um ator, ele sempre aceita. Exceto quando há motivos de força maior, como gravidez ou doença. Aí, eu convido um outro ator que me pareça bom para o personagem. Muitas vezes, como eu gosto de escrever o personagem para um ator específico, eu só começo a escrever a novela depois de ter o elenco aprovado. Se eu não tiver o ator certo para o personagem certo, eu não vou dar a mensagem da maneira que eu gostaria. Uma novela para dar certo, os atores precisam estar emocionalmente envolvidos e felizes com os seus papéis, sabendo que aqueles personagens foram feitos exclusivamente para eles.
Há muita rivalidade entre os autores da Globo?
Eu não sinto isso, mas também eu não tenho amizade com todos eles.
As novelas reproduzem tendências que estão surgindo na sociedade ou criam elas criam tendências?
Elas reproduzem. A novela não tem a força de criar algo. Acredito, sim, que pode colocar assuntos para serem discutidos nas casas, servir de pauta para os jornais, revistas e na própria televisão. E o debate deste assunto pode levar a uma solução que mude a sociedade. Não creio que o tema seja perigoso, muito pelo contrário. Tenho a nítida impressão que as pessoas que não são dotadas de grande beleza física ficarão bem felizes em saber que mesmo as mais belas atrizes tem problemas parecidos e que tudo na vida é relativo.
Nunca se falou tanto em Ibope como agora. Hoje temos Internet, TV por assinatura e outras emissoras produzindo. A tevê está se tornando refém da audiência? Como você vê a mudança nas novelas ao longo do tempo?
Ibope sempre foi importante, pois a televisão é um veículo comercial que sobrevive através da venda de seus intervalos e, se não tiver audiência, os intervalos não serão vendidos e também não haverá dinheiro para investir nas produções. Então, uma coisa acaba ficando ligada a outra. Eu acho é que o que tem se acirrado é a concorrência entre as outras emissoras e entre, principalmente, a televisão e os outros veículos que surgiram, como a internet. Isso encantou uma grande parte da audiência jovem que prefere ficar entrando em sala de bate-papo ao invés de se entreter com teatro, TV ou literatura. Acredito que isso seja um modismo, pois a ficção sempre irá encantar as pessoas. Em relação as outras emissoras, eu acho muito bom que elas façam novelas, pois é com a concorrência que a gente tem um aprimoramento. Mas eu acho muito difícil que as outras emissoras consigam chegar à excelência que a Rede Globo tem, pois a emissora é especialista em teledramaturgia. É complicado para uma novela concorrer com a Rede Globo porque lá estão os melhores autores, diretores, atores e produção, sendo que isso não impede os outros de tentarem fazer. Entretanto, seria melhor se elas produzissem novelas originais, em vez de imitar o que a gente faz na TV Globo. Imitação por imitação, eu fico com a original.
Mas se você recebesse uma boa proposta de trabalho para fazer novela em outra emissora, você deixaria a TV Globo?
Eu não trocaria e nem tenho mais idade mais para isso. Estou muito bem aonde estou e sou muito bem pago. Mas já recebi propostas de todas as emissoras não apenas do Brasil, mas também do exterior. Isso não me interessa, pois eu tenho um elenco espetacular e o dinheiro não é uma coisa que me motivaria a isso. O meu objetivo é fazer uma coisa que eu goste e que eu veja um bom resultado sendo levado ao ar. Muitas emissoras quando contratam um autor prometem mil coisas e quando ele chega lá, eles querem que o autor dê resultados que ele tinha na TV Globo, o que é impossível.
Com frequência, você supervisiona textos de novos autores. Podemos perceber que existe uma ausência, aqui no país, de formação de novos roteiristas? Você não acha que falta uma especialização?
Eu que sim, mas não só em termos de roteiristas, mas de escritores de novelas. Porque novela é uma especialidade diferente de outras modalidades dentro da televisão e muito diferente de teatro, romance e cinema. É um outro departamento. Então, uma pessoa para fazer novela tem que ter uma visão do que é este gênero. Que novela não é uma história comprida que você fica enchendo o capítulo de linguiça. Novela é um programa diário de cinquenta minutos que tem que valer por si. Se você assistir um capítulo, mesmo que não tenha visto os anteriores, aquele tem que te comunicar uma história, um personagem e, principalmente, emoção. Então, é um trabalho muito difícil e especializado. E poucos pessoas conseguem fazer e, ao mesmo tempo, é complicado ensinar isso, pois não se trata de uma fórmula. Eu não conseguiria criar um curso para escrever novela, onde eu vou na frente de uma classe e explicar como se faz. O que eu sei fazer é pegar uma sinopse de um novo autor, ler e discutir com ele as minhas modificações e explico para ela como aquela história deveria ser contada. Vou caminhando com ele até achar que ele estar maduro para seguir sozinho, e então, me afasto do projeto. Nós, autores de novelas mais conhecidos, estamos muito velhos e precisamos botar gente nova para continuar, pois se nada for feito, a teledramaturgia pode acabar.
É difícil lidar com o ego dos atores?
Eu acho muito engraçado. No começo de uma novela, o ator é sempre humilde, bonzinho. Mas basta começar a se destacar que ele se enche de si e passa a achar que é o rei do pedaço. Aí eu tenho de dizer: abaixe essa bola, meu filho, porque na hora em que acabar a novela tudo volta ao normal. Mas, graças a Deus, não tenho problemas com atores. Quando faço novela, minha maior dificuldade é dizer não, pois a maioria briga para trabalhar comigo. Não sou o tipo de autor que se fecha numa torre de marfim. Gosto de estar perto, saber se o personagem está de acordo com a expectativa deles. Claro, é preciso tomar certos cuidados. Os atores vêem a obra pela perspectiva de seus personagens, enquanto eu tenho de ter uma visão de conjunto. Se não tivessem ego, eles não seriam atores. Isso é até uma qualidade.
Clarice Lispector dizia que "escrever é duro como quebrar rochas". Produzir um capítulo de novela por dia certamente é um trabalho complexo. Seria correto dizer que a pressa em benefício de um produto pode comprometer o resultado final?
Sem dúvida, mas esse é o grande desafio: fazer um bom produto dentro da premissa de tempo que você tem. Eu tenho um método de adiantar muita coisa para eu não ter problema de entregar capítulo. Mas é claro que tem dias que estou mais inspirado e em outros não. Eu tenho que trabalhar como uma fábrica, produzindo um capítulo por dia. Passione irá estreiar com 35 capítulos de frente, mas se acontecer algum imprevisto, serei obrigado a refazer tudo.
Nos últimos anos, o merchandising social entrou para o repertório das novelas. Passione terá algo neste sentido?
Se algum personagem for caminhar para este lado e se tiver que fazer um merchandising social, eu farei. Mas se eu tiver que forçar um personagem a ter este tipo de coisa, eu não farei. O que determina fazer ou não um merchandising social é a necessidade que aquele personagem terá de fazer. A mesma coisa eu faço em relação ao merchandising normal. Quando me oferecem um destes tipos de inserção, eu posso recusá-las, por achar que não tem nada a ver com a história. Então, eles oferecem a outros autores, de outros horários. Isso é uma escolha de cada um dos autores. Eu não gosto quando a trama é forçada a ir para um lado só para dizer que está fazendo um merchandising social .
A sua primeira novela na Globo foi Pecado Rasgado que não foi nada bem em audiência. Como é para um autor conviver com o fracasso?
Péssimo e não tem nada pior. Eu detestava a novela porque tudo que eu tinha planejado, não deu certo. Novela é um trabalho de equipe e o diretor não acertou o tom da trama e os atores também não, porque tiveram uma direção errada. E isso era um grande tormento. E quando você vê que a novela não pegou, tem que se escrever todo dia uma coisa que você já sabe que não vai dar certo e que ninguém vai gostar. É uma pressão terrível. Mas além de escrever, outra coisa ruim é conviver com a novela no ar, pois a solicitação é muito grande de todos os lados: da imprensa, da emissora e da sociedade.
Os autores sempre ambientam suas tramas em um determinado lugar. Você, em São Paulo. O Manoel Carlos, na Zona Sul carioca. Por que não há uma alternância destas locações?
Você está me perguntando isso por morar no Espírito Santo. Mas, por exemplo, não faço uma trama minha em sua cidade porque ninguém vai em Vitória. (risos) Novela é uma coisa que você fica escrevendo durante duzentos capítulos. Você tem que ter um domínio muito grande dos personagens e da ambientação em que eles estão. E fazer uma novela passada em Vitória, eu teria que ir aí e entender vocês. Como também, eu seria incapaz de fazer uma novela passada no Rio de Janeiro, porque eu não conheço o povo de lá. E São Paulo tem um povo que eu entendo. E isso não é uma questão de paisagem, pois a capital paulista é feia. Então, eu teria que conhecer melhor Vitória para poder escrever uma novela que tem a cidade como pano de fundo, ou então, precisa aparecer um autor do Espírito Santo. Eu até já pensei em reproduzir o caso Araceli, mas resolvi deixar de lado pois é uma história muito pesada.
Seu colega Aguinaldo Silva já comentou que não há pressão maior do que escrever uma novela das 8. O senhor concorda?
Sem dúvida, é um trabalho de maluco. Passione nem estreou e já vem gente falar: Ah, fulano não está bem e o cabelo de sicrano está horroroso. Isso, porque a telenovela é super popular e acaba acontecendo como no futebol com todo mundo querendo dar pitacos. Todos no Brasil pensam que entendem de futebol e novela. E todos acham que sabem fazer melhor que você.
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