terça-feira, 18 de maio de 2010

Entrevista do autor Marcílio Moraes de Ribeirão do Tempo, a nova novela da Record para o site Na Telinha

"Ribeirão do Tempo" pode representar definitivamente o regresso das telenovelas ao estilo que eternizou Dias Gomes, autor da saudosa "Roque Santeiro". Marcílio Moraes, autor da nova novela da Record garante que, pelo menos, “influência”, do autor com quem várias vezes trabalhou, terá. E a trama que substitui agora "Bela, a Feia" na telinha da Record é considerada mesmo pelo novelista como uma “sátira, uma metáfora do Brasil, mas com todos os problemas habituais e personagens típicos do interior”, tal e qual as várias novelas de Dias Gomes se apresentavam aos seus telespectadores nas décadas de 70 e de 80.


A aposta numa vilã com bom fundo e num protagonista “meio boboca” é reconhecida por Marcílio Moraes como “pouco comum”. Apesar do casal inusitado, o dramaturgo explica que a trama “mexe com questões ambientais” e vai discutir em simultâneo “a questão da uniformização de tudo”. A construção de um resort numa pacata cidade do interior até então traz igualmente ao de cima “sujeitos estranhos”, como um ermitão, um detetive atrapalhado, um bêbado e um quase deficiente mental. “Não pretendo fazer merchandising social em cima desses personagens”, garante.


Além da aposta em personagens-tipo que marcaram a infância de Marcílio Moraes, passada em Petrópolis, o autor da Record garante que na novela não vai haver um “quem matou”, dado que o público vai saber desde a primeira hora “quem é o criminoso” que cometerá uma série de crimes. Apesar de as gravações da trama já terem começado em 2009, sob alçada de Edgard Miranda, com quem Marcílio “garante se dar muito bem”, o autor explica que foi a frente de gravações quem se adiantou, pelo que a diferença entre aquilo que já escreveu, cerca de 30 capítulos, e aquilo que vai ao ar não é muito diferente das suas outras novelas.


Esquivando-se a comentar a relação entre a Record e a Televisa, por não querer “falar de decisões empresariais” alheias, Marcílio Moraes espera que "Ribeirão do Tempo", cuja ideia surgiu da fusão de um romance político-policial inacabado, de uma obra de um romancista russo e de uma sinopse antiga sobre esportes radicais, “não faça feio, caso concorra com ‘Passione’ durante alguns minutos”. E garante: o tratamento da violência ficou absolutamente para trás, porque “não havia nada de novo a tratar” sobre esse gênero em "Ribeirão do Tempo". A entrevista exclusiva concedida a Bruno Cardoso, do NaTelinha, você pode conferir agora:



"Ribeirão do Tempo" tem características que fogem da violência e do mundo da criminalidade que marcaram "A Lei e o Crime" e "Vidas Opostas". Com essa novela, você vai tentar calar as más-línguas que diziam que você não iria apostar num outro gênero de telenovela? Como você descreveria "Ribeirão do Tempo"?


Marcílio Moraes: “Ribeirão do Tempo” é a novela que me deu vontade de fazer, quando a Record me pediu uma sinopse. Não pensei em calar ninguém. Simplesmente achei que eu não tinha mais nada de novo para tratar na temática de violência urbana. “Ribeirão do Tempo” vai ser uma comédia satírica, a ironia é sua característica mais relevante.


Você tem descrito a trama como uma “novela clássica”, mas também já admitiu que os tradicionais protagonistas maniqueístas aqui não terão lugar. Como você pretende então conciliar o classicismo da novela com a fuga ao tradicional maniqueísmo?


MM: Será que eu disse que seria uma “novela clássica”? De qualquer forma, “Ribeirão do Tempo” vai ter os elementos clássicos do folhetim: mistério, amores proibidos, conflitos sociais, etc. Quando eu digo que não vai ter maniqueísmo quero ressaltar que não trabalho no esquema de um grande vilão para ser odiado contra um ou uma mocinho/mocinha para ser amado/a. Claro que isso não pode ser absoluto. Mas se o autor pensa em conflitos entre personagens ao invés de vilão x mocinho, já está se afastando do maniqueísmo. Só para aguçar a curiosidade, posso adiantar que em “Ribeirão” teremos um vilão com boas intenções e um mocinho boboca.


"Ribeirão do Tempo" é a volta das histórias às cidadezinhas pacatas, histórias fabulosas, que pretendem ser uma metáfora da sociedade atual e da política nacional. É o verdadeiro regresso a um tipo de trama que marcou Dias Gomes, com quem você aliás já colaborou?


MM: A história que vai ser contada, até certo ponto, pretende ser uma metáfora do Brasil, e não propriamente a cidade. “Ribeirão do Tempo” é uma cidade pequena mas que vive problemas universais, como o confronto entre tradição e modernidade, conspiração, radicalismo político, etc. Na cidade, de fato, vivem os personagens típicos de interior, mas tem também personagens inéditos na teledramaturgia, como o Nicolau, com raízes na literatura russa do século dezenove e na perversão das elites brasileiras; tem o Professor Flores, um homem que ainda vive a utopia revolucionária da década de sessenta. Não haverá realismo fantástico em “Ribeirão do Tempo”. Mas sem dúvida haverá influência do meu amigo Dias Gomes, de quem fui parceiro em diversas obras, e não colaborador.


Os personagens do Jumento, do Ermitão, considerado um verdadeiro fantasma que ronda a cidade, e do Sereno, o deficiente mental, escondem verdadeiros segredos?


MM: Esses que você citou são alguns dos personagens típicos de cidade pequena, alguns criados a partir de reminiscências da minha juventude em Petrópolis. Eles estarão envolvidos nas diversas tramas, às vezes de forma surpreendente.


Como você chegou ao nome de "Ribeirão do Tempo"?


MM: Na tradição filosófica se associa muito o conceito de tempo com o fluir de um rio. É comum a expressão “rio do tempo”. Como a trama da minha novela se constrói em grande parte a partir do tempo, me lembrei da filosofia, troquei rio por ribeirão, que é bem popular, e criei o título. O enredo da novela se baseia num romance político-policial inacabado que eu tinha, numa antiga sinopse sobre esportes radicais e num livro do romancista russo Dostoiévski, chamado “Os Demônios”, que trata de uma conspiração política.


A história da novela se desenrola a partir da intenção de construir um resort nessa tal cidadezinha pacata. O que você pretende trazer a público com esse ponto de partida?


MM: A construção do resort desencadeia inúmeros conflitos na cidade. Em primeiro lugar, a questão ambiental, porque ele vai mexer com a natureza. Também o aspecto comportamental, porque o afluxo esperado de hordas de turistas vai alterar os hábitos dos cidadãos. No fundo, o que estará em debate será a globalização. O perigo da uniformização de tudo.


A personagem da Bianca Rinaldi, Arminda, uma executiva implacável. vai se envolver com Joca, do Caio Junqueira, um detetive atrapalhado. É uma dupla amorosa não muito comum, não concorda?


MM: O Joca é um caipira meio bobão que vai se envolver numa trama de proporções nacionais. É um homem simples, do povo. Não é difícil fazer o espectador se identificar com ele. Já a Arminda vai ser construída para que o espectador a deteste. Só que ela terá um sentimento que, eu acredito, a redimirá diante do público: a atração irresistível que sente pelo bobo Joca. É um casal improvável, concordo. Sei do risco que estou correndo. Mas acredito que conseguirei ganhar a audiência.





O Tito, personagem do Ângelo Paes Leme, é um praticante de esportes radicais e está de noivado com Karina, da Juliana Baroni. Tendo sido ela apresentada desde sempre como uma vilã e ele como um rapaz bonzinho, é um dado adquirido que ele vai dar um chute na bunda dela?


MM: O Tito é inteiramente apaixonado pela Karina que, em princípio, não é uma vilã clássica. Ela se tornará perigosa depois que for traída pelo noivo, Tito. E a terceira pessoa não terá boa vida para separar este casal.


De um lado da história, temos uma multinacional que vai investir na cidade, do outro esportes radicais que trazem turistas a Ribeirão do Tempo. A juntar a isto uma série de “crimes bárbaros”. Os telespectadores poderão esperar algo do tipo “A Próxima Vítima”?


MM: O que une as três vertentes da história é se passarem no mesmo lugar, a cidade de “Ribeirão do Tempo”. Como é um lugar pequeno, o que acontece com um reflete nos outros e tudo acaba se conjugando. Não tem nada a ver com “A Próxima Vítima”. Não vou fazer uma novela de “quem matou”. O espectador vai saber quem é o criminoso.


"Ribeirão do Tempo" vai apresentar ainda um personagem deficiente mental e um outro completamente alcoolizado. Você pretende fazer uma campanha de sensibilização em torno dos dois assuntos?


MM: Não tenho nenhuma intenção de fazer o chamado “merchandising social” em “Ribeirão do Tempo”. Os personagens têm seus problemas, seus defeitos, suas perversões, e não sou eu que vou tentar curá-los. Eles viverão sua história, como os outros. O Sereno não é propriamente um deficiente mental, é um sujeito esquisito. E o cachaceiro é igual a milhões de outros que vivem aí pelo Brasil e pelo mundo.


Dessa vez, você não conta com a parceria do Alexandre Avancini, que dirigiu seus dois trabalhos anteriores. Como está sendo a dobradinha com o Edgard Miranda?


MM: Estou me dando muito bem com o Edgar. Ele é um diretor jovem, cheio de energia e muito competente. Já havíamos trabalhado juntos. Ele assumiu a direção de “Vidas Opostas” no final, porque o Avancini precisou se afastar para fazer outra novela. Não houve nenhuma razão especial para não trabalhar com o Avancini desta vez. Foi um problema de agendas.


Porque decidiu escolher as cidades de Brotas e de Casemiro de Abreu para ambientar parte das externas da novela?


MM: Esse foi um problema da produção. Eu criei uma cidade imaginária, por onde corre um rio, com o qual meus personagens se relacionam de diversas formas. Achar esse rio e gravar nele já não era problema meu.


Você deu indicações às equipes de cenografia, de direção, de como queria ver concebida a cidade cenográfica de "Ribeirão do Tempo"?


MM: Na sinopse eu descrevi as características básicas da cidade. Depois tive algumas conversas com a equipe de cenografia. Eles fizeram um trabalho magnífico, estão de parabéns. Todos os espaços da cidade poderão ser vistos pelos telespectadores.


Tendo a novela iniciado as gravações ainda em 2009, você não teme que o adiantado rumo dos trabalhos possa complicar o desempenho da novela caso haja rejeição do público?


MM: O adiamento não interferiu na distância que eu acho ideal entre capítulo escrito e capítulo no ar. Tenho 30 capítulos escritos para a estreia, mais ou menos o que tive nas outras novelas. As gravações é que se adiantaram. Eles já têm vários capítulos prontos, o que é raro em telenovelas.


Como você encara a parceria Record–Televisa?


MM: A parceria Record-Televisa foi uma decisão empresarial. Não me cabe discutí-la numa entrevista.


Você tem uma perspectiva crítica relativamente a "Bela, a Feia", novela que iniciou essa dobradinha e a qual você se prepara para vir a substituir? A desativação, ainda que temporária, de uma das duas novelas levadas simultaneamente ao ar na Record, te deixou de pé atrás com a emissora?


MM: Como contratado pela Record, tenho tido oportunidade de realizar trabalhos que não seriam possíveis em outras emissoras. Do meu ponto de vista, estou satisfeito. As demais decisões da empresa não me cabe discutir.


Competir, ainda que minutos, com"Passione", de Sílvio de Abreu, não poderá prejudicar a sua novela, que também está numa fase inicial?


MM: São duas novelas que irão ao ar em momentos diferentes. Cada uma terá seu desempenho, bom ou mau, dependendo da aceitação do público. Não dá para prever nada ainda. Se coincidirem em alguns momentos, espero que a minha não faça feio.


Como você descreveria "Ribeirão do Tempo" para os internautas do NaTelinha?


MM: Uma novela que trabalha com a ironia. Como a ironia é atributo da inteligência, estou apostando na inteligência do espectador, sem prejuízo de todas as emoções que a novela poderá despertar.

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