domingo, 20 de junho de 2010

Entrevista com Sérgio Mallandro



A casa num condomínio de luxo em São Conrado, com vistão para o mar, está cheia de homens por todos os lados, cobertos de cimento. A reforma, que começou em dezembro, está perto do fim. Na entrada, um Buda enorme dá as boas-vindas. Nas paredes, muitas estátuas de deusas indonésias e quadros astecas. Numa TV de “trocentas” polegadas, Cristiano Ronaldo tenta fazer alguma coisa pela seleção de Portugal, sem qualquer sucesso. Espero pelo ilustre morador. Um homem que transcendeu épocas, gerações e, na contramão de qualquer previsão que já o teria enterrado lá pelos anos 90, tornou-se sucesso absoluto. De crítica e de público. A mesma gente que o colocava na árvore genealógica dos nada nobres reis da baixaria da TV.



Sergio Neiva Cavalcante, idade indefinida pela vaidade ou apenas pelo instinto de permanência (pode ter nascido em 1955, 57, 60...), artista por vocação e insistência, Mallandro para os milhares de íntimos que não se cansam de fazer “glu glu”. Devoto de São Judas Tadeu, nasceu em 12 de outubro. Dia dedicado à Nossa Senhora Aparecida, mas também às crianças. Não é mesmo muito estranho que o moço tenha um pé irremediavelmente fincado na infância. Na própria e na dos outros. Ainda que estes outros já sejam grandes marmanjos que o abraçam dizendo “eu te amo”.
Nascido em berço esplêndido (o avô era um riquíssimo tabelião do Leblon), foi criado na Lagoa, num apartamento de três quartos na Fonte da Saudade. Era frequentador assíduo das rodas mais descoladas de Ipanema. Dava carteirada como filho de general (o padastro dele) para fugir da polícia quando era pego em sua moto, aos 16 anos. Deu tanto trabalho quando era pirralho que sua mãe, pobre dona Leila, o levou ao psiquiatra. Aquele menino só podia ter algum problema na cabeça. E ela saiu do consultório sabendo que o filho do meio tinha QI elevado e era esperto. Um capeta em forma de guri.


Quando, finalmente, aparece para a entrevista, Sergio traz com ele um litro de chá verde e usa boné do patrocinador — sim, ele é patrocinado e, ironia das ironias, por um fabricante de bebida energética. Como se precisasse... Me pergunta como vai ser a reportagem e o que precisa vestir, ao mesmo tempo em que resolve assuntos ao celular e conversa com a ex-mulher, Mary Mallandro, hoje Mary Leão, que também mora lá. Tudo isso entrecortado por “yeah yeahs” e “ráaaas”, que se tornam vírgulas a cada frase. Passa de um papo a outro, diz que é místico, do tipo que acredita em reencarnação e amuletos, e tem medo de assombração: “O que me dizem que é bom, penduro na parede e uso”.


Orgulha-se de ter conhecido Chico Xavier, enaltece sua bondade, mas também diz que já se aproveitou do médium para “cantar algumas gatas” — diz, em seu vocabulário de eterno adolescente, em que também figuram “bicho e brother”. Serginho não tira os óculos escuros que escondem os pequenos olhos e algumas rugas, e me lembra que tem a estreia do Brasil na Copa dali a algumas horas. Se deixar, a Copa acaba e Serginho continua contando seus causos.


E o Mallandro tem uma coleção deles. Tanto que decidiu capitalizar em cima de inúmeros casos bizarros e está lotando o Teatro dos Grandes Atores, na Barra, com a comédia “Sem censura”, em que fatos de sua vida arrancam gargalhadas da plateia. A temporada é tão promissora que foi esticada e, além da Barra, Sergio Mallandro estará em cartaz de quinta a domingo na Zona Norte, no Teatro Miguel Falabella, a partir de 2 de julho. Durante a semana, ainda se reveza entre shows universitários e corporativos, pelos quais cobra de R$ 8 mil a R$ 25 mil. Nada mau para quem é um “sem emissora”. Muitos devem estar se perguntando o porquê deste clamor em torno de uma figura tão controversa. Afinal, Sergio não é lá um artista que tenha no currículo prestigiosos trabalhos. Quem não se lembra das “Pegadinhas do Mallandro”, da “Porta dos desesperados”, das malandrinhas seminuas? E é justamente por esse rol de tranqueiras que ele é praticamente endeusado hoje.


Com uma letrinha safada, “Vem meu mor, vem fazer glu glu”, vendeu um milhão de cópias de um compacto, quando nem imaginava ser cantor; com uma lábia de vender geladeira para esquimó, conseguiu que Silvio Santos o contratasse no lugar da então principiante Xuxa, e cometeu a proeza, entre altos e baixos, de ficar pelo menos 15 anos no ar, de emissora em emissora, batendo inclusive a audiência da Globo. “Sou um palhaço, no melhor sentido da palavra, um contador de histórias. Sempre quis ser artista. Minha vida é um parque de diversões”, afirma.
O que pouca gente sabe é que Serginho não sai de casa quando está triste, para não decepcionar os fãs, mas que, no íntimo, chora toda vez que assiste ao filme “O campeão”, pois se lembra da morte do pai, o grande herói, que se foi quando Sergio tinha apenas 11 anos. Há dois, perdeu o irmão mais velho. Um baque que faz sua fisionomia mudar ao falar sobre as coisas da vida que não pode mudar. Por não querer a melancolia o rodeando, nem assiste aos noticiários. “Coisa ruim traz coisa ruim. Não quero isso perto de mim. Na vida, temos que ter atitudes positivas”, defende.


A seguir, Serginho Mallandro revela quem ele é de verdade: fala da infância e dos perrengues por que passou e fez passar o padrasto militar, de sua paixão por Xuxa, de suas conquistas amorosas, dos filhos, das ex-mulheres, de uma treta com Maradona e das drogas, das quais jura jamais ter chegado perto. E mais: o danado ainda me fez cair numa pegadinha. Yeah yeah!




CAPETA EM FORMA DE GURI
“Nasci na Lagoa, ali na Clínica São José. Fui criado na Fonte da Saudade, num apartamento de três quartos. Meu avô, pai do meu pai, era realmente muito rico. Era tabelião, morava no Leblon. Minha mãe (Leila) era professora. Meu pai, que não quis ficar na aba do meu avô, fez carreira na Caixa Econômica. Era avaliador de joias, o cargo mais alto a que se podia chegar. Sou o filho do meio, entre meus irmãos Claudio e Carla, e adorava jogar futebol. Sabia que era para eu ser jogador de futebol? Jogava muito. Representava a escola. Estudei no Colégio Padre Antonio Vieira, super, megatradicional... Sou muito grato a ele. Quando meu pai morreu, ganhei uma bolsa. Minha mãe não tinha como sustentar a gente. Antes, fui expulso do Andrews, do Zacarias, do Anglo Americano e do Externato Atlântico. Mas, olha só, nunca fui do mal, nunca botei bomba em banheiro de escola, mas era aquele aluno que corrompia a aula. O professor falava um troço e eu vinha com um caco. Ele falava da Bahia, eu levantava a mão e perguntava: ‘Professor, você já comeu a cocada?’. Nunca consegui sair do colégio no horário de todo mundo. Sempre tinha uma hora a mais de castigo”.


PROBLEMA DE CABEÇA
“Era tão levado, que minha mãe decidiu fazer um eletroencefalograma em mim. Fiz lá uns desenhos, respondi umas perguntas e, quando o resultado veio, dizia que eu tinha QI bem elevado. A segunda vez que fiz o exame foi bem mais tarde. Eu era jurado do ”Show de calouros“ e joguei ovo no Silvio (Santos) e em todo mundo. Um calouro levou uns ovos e subiu em cima deles sem quebrar nenhum. Aí dei ‘três cru cru’ e disse que aqueles ovos eram de mentira. Silvio me desafiou e subi no palco para pisar no ovo. Só que ovo de ponta para cima não quebra mesmo. Acabei escorregando e caí. E o Silvio, me sacaneando, pegou um ovo e jogou em mim. Me esquivei. Peguei outro e joguei nele, que se esquivou também. Aí me deu uma disritmia, uma loucura, vi aqueles ovos olhando para mim e comecei a jogar ovos em todo mundo. O Lombardi parecia uma gemada! A plateia ficou toda amarela. Silvio me chamou no camarim: ‘Você tem algum problema na cabeça! Vai fazer um eletro. Só volta quando for examinado, o SBT paga!’. Ele ficou 20 dias fora e, quando voltou, levei o exame. E ele: ‘O que é isso?’. Eu disse que era o eletro. Ele caiu na risada e falou que não precisava, pois aquela doideira tinha dado a maior audiência. Ainda perguntou se eu não tinha levado uma maionese, uma jaca... Respondi: ‘Quem precisa de eletro é você, Silvio’.


SENSO DE JUSTIÇA
”Quando meu pai morreu, foi uma tristeza imensa. Até hoje não posso ver o filme ‘O campeão’ porque lembro da morte dele e choro feito louco. Minha mãe teve que se virar para sustentar a gente. Foi gerente de loja, costureira... Minha avó paterna disse que, se ela quisesse, podia deixar os filhos para ela criar. Mas só meus irmãos porque segundo ela, ‘o Sergio não tem condições’. Minha mãe não aceitou. E criou todo mundo. Eu ganhava uma mesada, mas numa época minha mãe parou de me dar e minha avó passou a me dar escondido. Ela descobriu e rompeu com a sogra. Tive que trabalhar e saí de casa. Fui morar com uns amigos. Vendia de parafuso a aposentadoria. Um dia, apareceu uma notícia no ‘Jornal Nacional’ sobre as fraudes na aposentadoria e o nome da empresa em que eu trabalhava foi citado. Brother, meu telefone não parou de tocar. Tinha vendido para todo mundo da minha família! Quando encontrei os caras da firma, embolachei todo mundo”.

O GENERAL E SUAS ESTRELAS
“Quando eu tinha 14 anos, minha mãe casou de novo. Com o general Caio Marcos Ovale de Lemos. Cara, imagina isso. O homem tinha estado na Segunda Guerra, levou uma granada na perna. Era muito ditador. Eu o comparava ao meu pai, era um horror. Era época do regime militar e ele achava que podia tudo. Mas tinha seu lado bom, amava minha mãe, protegia ela, era patriota à beça. Se tivesse um jogo de peteca entre Brasil e sei lá quem, ele até chorava”.




PEGADINHA DO MALLANDRO
“Dei uma festa de 15 anos em casa e lá pelas tantas a polícia bateu à porta. O PM disse: ‘O Almirante que mora do outro lado da rua nos chamou para acabar com a festa’. Pedi um minuto. General dormindo, roncava pra caramba, com um 38 debaixo do travesseiro, e eu: ‘General, acorda! É que tem um policial na porta dizendo que o Almirante mandou acabar com a festa por causa da lei do silêncio e disse, inclusive, que general é empregado de almirante’. Pra quê?! O bicho ficou doido: ‘Me dá minha bengala, minha arma!’. Ele mancava (risos). Chegou na porta, apresentou a carteira de general, o cabo batendo continência, e eu lá atrás sacaneando. O cabo ligou para o capitão dele, contou a história e o superior disse: ‘Meu filho, sai daí porque em briga de almirante e general vai sobrar pro cabo’. Por causa do general, uma vez, rodei na delegacia e tive que escrever mil vezes a frase ‘Não devo dirigir sem habilitação. Devo respeitar as leis e ser amigo da sociedade’. Nunca me esqueci disso”.

O APELIDO PEGOU
“Nunca paguei um ingresso em clube. Sempre dava um jeito de entrar de penetra nas festas. Uma vez, estava muito difícil de entrar no Caiçaras e eu consegui. Quando me perguntavam, só dizia: ‘Penetrei, penetrei!’. Um amigo me chamou de malandro e, no outro dia, o porteiro do Clube Piraquê me chamou assim também. Não gostei. Malandro era sinônima de vagabundo, bandido, sei lá. Chorei à beça. Mas sabe como é, quando você não gosta é que pega mesmo”.


PAIXÃO POR XUXA
“Xuxa ganhou um concurso no Fluminense e a minha namorada, na época (Jaqueline Di Biase, dona da grife Salinas), ficou em segundo. O ”Cidade contra cidade“, do SBT, queria três mulheres que representassem o Rio. Uma delas foi a Xuxa. Me apaixonei de cabeça por ela, mas eu tentava o ‘glu glu’, ela vinha com o ‘yeah yeah’, e nada. Depois, ficamos muito amigos. Ela morava em Marechal Hermes, num apartamento apertadinho, e eu a levava lá de moto. Xuxa já empurrou muito a minha moto. Mas nunca passou de um amor platônico. Ela é uma guerreira, dormia maquiada porque de manhã cedo já tinha que fotografar. Hoje, não somos tão próximos, mas tenho muito carinho por ela. Xuxa é apaixonante. Pena que não fui correspondido”.

VAZA, MARADONA!
“Tive uma treta com o Maradona. Ele azarou minha mulher (na época, Carolina Costa, mãe de dois de seus três filhos) no camarote da Brahma. Ele chegou doidão, catou no braço da minha gata e mandou: ‘Chica, chica’, e eu falei: ‘Como é que é mermão’? Chica chica, o cacete! É pica pica daqui, vaza!”. E ele perguntava: ‘Que passa? Quem és tu?’. Aí mandei, né: ‘Eu? Sou o príncipe da Xuxa! (Sergio tinha feito o filme ’Lua de cristal’ com a loura). Vou perder mulher para argentino?”.


VEM FAZER GLU GLU
“Nunca fui galã. Mas nunca me faltou mulher. Até quando não era ninguém e tinha só uma bicicleta. Mas sempre tive lábia. É normal a mulherada cair em cima de artista. Mas se ele for malandro, maneiro, ele conquista pelo que ele é e não pelo que representa. Sempre soube quem se aproximava de mim. Tive altas gatas. Hoje, estou namorando essa gata (aponta para Rosely, uma loura classudérrima de mais de 40 anos). Ganhei no talento. Ela nem ia com a minha cara. É empresária, milionária, não precisa de mim para nada. Fiz o ‘glu glu’ e ela se apaixonou. Tenho culpa? Depois que prova desse corpinho, a gata vicia (risos). Sou amigo das minhas ex. Mary é uma irmã (Mary Mallandro, a primeira mulher, mãe do primogênito Sergio Tadeu, mora na mesma casa do ex). Às vezes, rolam umas tretas aí com umas namoradas novinhas, mas fica tudo em paz. Esta casa é uma comédia. Outro dia, tinha até uma travesti trabalhando aqui. É a verdadeira ‘Porta dos desesperados’“.


FÉ EM SÃO JUDAS TADEU
”Confesso que já tive mais. Hoje estou buscando mais fé. Sabe a lei da atração? Acredito muito nisso. Acordo e falo: obrigado pela alegria, eu sou alegria, obrigado pela família, eu sou família, obrigado por poder sonhar, eu sou um sonho. É claro que existe tristeza. Perdi meu pai, perdi meu irmão há dois anos... (Sergio muda o tom, faz uma pausa). São as coisas que você não consegue consertar, impedir, só resta tentar entender. Antigamente, as pessoas faziam planos para 30 anos, hoje nao fazem nem para 30 minutos“.

VELHO, EU?
”O que é a idade, afinal? Ela está na cabeça das pessoas. Você tem a idade que quiser ter. Depois dos 40, todo mundo precisa mentir (Sergio fica desarmado quando falo sobre a ficha do TSE, na qual ele se inscreveu como candidato a vereador, e em que a data de nascimento é 12 de outubro de 1955. Me chama até de doida). A vida é um parque de diversões, tem a montanha-russa, a roda-gigante, o bate-bate e o trem-fantasma, que leva as coisas ruins da vida. Mas o trenzinho vai para outro lugar e você revive em outros brinquedos. Estamos sempre recomeçando. A idade é um mistério e para que eu vou revelar a minha, não é?“.


DROGAS? TÔ FORA!
”Nunca me estraguei. Nunca usei droga na vida. Todo mundo acha que sou louco. Tem gente que jura que já cheirou comigo. Não gosto de beber. Se tomo quatro cervejas, fico bêbado. Isso causa até decepção nos fãs. Mas é que nem Papai Noel. Uma criança de 5 anos acredita que ele existe. E algumas pessoas acham mesmo que sou loucão“.


CORPINHO ENXUTO
”Tomo chá verde, ômega 3, não como fritura. Se pinta um pastel, fico olhando e resisto, e se eu comer me revolto, fico mal. Me alimento de salada, carnes brancas grelhadas. Adoro doce, mas evito. Malho na academia, faço jiu-jítsu, caminho, vou ao médico. Estou com hérnia de disco, mas estou voltando a jogar futebol“.



BURRO NA SOMBRA
”Preciso trabalhar, dependo do trabalho para pagar o estudo dos meus filhos. Tem muita gente que depende de mim. Não posso reclamar da vida. Meu burro está na sombra. De vez em quando, o burro anda e aparece um solão. Aí eu puxo a árvore ou levo o burro ate lá. Tenho meus shows, meu parque infantil itinerante e mantenho uma creche com 80 crianças em Guarulhos“.

A HERANÇA
”Tenho três filhos, Sergio Tadeu, de 24 anos, Stefany, de 16, e Edgard, de 12. Os dois mais novos moram em Londres com a mãe. Serginho mora comigo. A menina morre de vergonha quando sai comigo aqui no Brasil. Todo mundo quer tirar foto e eu faço ‘glu glu’, aí já viu, né? Ela é tímida, inglesinha, quer se esconder. Já Edgar vai ser artista. Filhos não são herdeiros, são nossa herança. É a oportunidade de tentar refazer o caminho, de fazer tudo certo, de aprender. Aprendo muito com meus filhos, minha maior riqueza“.

HERÓI DOS UNIVERSITÁRIOS
”É um público de molequeira. Sou patrono de várias turmas de faculdade. Semana passada, fui da turma de veterinária da UFMG. Estou até perdendo muitos shows para os universitários por conta do teatro. Eles amam minha banda Salcifufu. É uma coisa muito louca. Mas também tem o outro lado. Outro dia, tinha uma senhorinha de 83 anos na plateia. Perguntei se ela tinha certeza de que tinha entrado no teatro certo. E ela disse: ‘Claro, eu cresci com você!“.

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