sexta-feira, 25 de junho de 2010
Zé Capeta de 'Ana Raio e Zé Trovão':Entrevista
Zé Capeta: O Astro do Berrante
22/05/2009 - Antônio Lessa Júnior
Em tempo de Pecuária não podemos esquecer de uma das figuras mais folclóricas do estado de Goiás e conhecida em todo o Brasil: trata-se de José Bento Tavares Neto, popularmente conhecido como Zé Capeta. O berranteiro goiano, de Itaberaí, ficou famoso quando em 1990 participou da novela Pantanal, exibida na extinta Rede Manchete e recentemente reprisada no SBT. Ao todo são oito novelas da quais participou, ora como ator, ora como dublador: Além de Pantanal, participou de Ana Raio e Zé Trovão, Rei do Gado, Irmãos Coragem (remake), Estrela de Fogo e Marcas da Paixão (Rede Record), América e, agora no horário das seis, na Rede Globo, na novela Paraíso, que também é um remake.
Hoje, prestes a completar 66 anos de idade (13/07), ele conta como se interessou pelo mundo do rodeio, fala sobre a sua trajetória artística e como passou a ser chamado de Zé Capeta. Ele revela ao Jornal da Imprensa como foi sua primeira noite em um hotel de luxo, em Barretos, logo após ser convidado pelo diretor de novelas, Jaime Monjardim, para trabalhar em Pantanal. Chegou a ser confundido como um mendigo, maltrapilho, um pedinte, por parte dos seguranças e o gerente do hotel. Entre esse e outros fatos hilários, Zé Capeta, de forma simples, humilde e com boa “prosa” nos faz viajar em uma história conhecida por poucos: a sua vida, da qual ele é o ator que representa o seu próprio personagem. O Jornal da Imprensa optou por deixar a fala do artista da forma como ela é expressada, sem corrigir o português para não descaracterizar a sua história, sua vida.
[neg]Como surgiu o nome Zé Capeta?[/neg]
Fui criado pelo meu avô, alí na região do município de Itaberaí. Um dia ia passando um cigano com um par de espora de prata, branquim, e aí eu falei “cigano, você podia me dar esse par de espora”. Daí ele disse “o senhor trazendo um requejão e uma dúzia de ovo eu te dou esse par de espora”. Minha avó tinha feito uns cinco quilos de requeijão e fui lá e roubei esse requejão e mais uma dúzia de ovo e dei pro cigano em troco do par de espora. Todo dia que eu acordava duas horas da manhã calçava o par de espora e muntava no que achasse na frente e fui ficando duro. Minha avó tinha um gato, de nome Mimoso, e o danado começou a roubar a carne no meu prato, ele implicou comigo. Eu num podia bater no gato senão eu apanhava. Nesses dias as criação tava aparecendo tudo riscado e o véi falou “óia, tem uma tentação aqui nessa fazenda e vou vender ela”. Chegou um sujeito lá e disse para meu avó que tinha um paulista na região, senhor Domingos Queiroz, que era cego de um olho, feiticeiro dos bão que iria fazer um trabalho e descobri o que era isso. Na hora minha ôreia subiu e eu disse “nossa, ele vai descobrir que sou eu”.
[neg]E descobriu, o que aconteceu?[/neg]
Numa sexta-feira o homem lá reuniu a família tudo, criança, gente grande. Ele trouxe um nego véi e uma nega véia de cabeça branca, umas velas queimando, aquela fumaça toda. Na hora lá a nega véia falou “hummm, não é comedor de língua, num é caipora, num é pai do mato, num é onça. É um peãozinho das perna curta que ta cortando os trem de espora”. Tinha lá o Joaquizim, baixim, perninha curta, mansador de égua e noutro dia pegaram ele e deram uma surra (risos). Nesse dia peguei o gato e levei lá pro fundo do canavial, peguei uma páia de milho, peguei um tiçãozinho de fogo e assoprei e esse gato saiu correndo. Foram três dias o fogo acabando com tudo e virou aquela cinza. Tinha uma égua veiáca e eu amarrei uma lata no rabo dela e ela morreu no mata-burro. Dessa eu fiquei livre também (risos). Daí apareceu uma mula preta lá na fazenda, de nome Aparecida, e aí o Zé Goiano muntou na mula e ela derrubou. O véi meu avô muntou nela, ela berrando e ele bateno o chapéu na cara dela e ela deu uma vorta e derrubou ele na bosta de vaca. Aí eu gritei “oh, coisa boa!”.
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Com isso seu avô deve ter ficado muito bravo...[/neg]
Esse véi levantou, começou a xingar e olhou pra mim e falou “seu capeta dos infernos, agora é ocê que vai muntar na mula”. Aí eu falei “se eu num cair dessa mula o que eu ganho?”. O véi falou assim “ocê ganha uma vaca!” Eu tava fazendo treze ano naquele dia e fui lá e apanhei o par de espora e amarrei ela direitim nos pés. Olhei pro véi e perguntei se ele me perdoaria as artes que eu fiz na fazenda se eu num caísse da mula. Ele disse “perdôo, mas diz aí qual as artes que você fez.”. Contei que os animais foi eu que cortei com o par de espora, que matei o gato, que coloquei fogo no canavial e que matei a égua. Nossa, ele gritou “seu capeta dos infernos, agora quero vê você muntar na mula. Minha vó bateu os juei no chão e pediu pra que eu num muntasse na mula, que eu ia morrer. Eu confessei pra ela que foi eu que roubei o requejão e ela levantou e correu atrás de mim com uma bassoura, me xingando e dizendo “tomara que você morra”. Peguei a mula, levei ela lá pro poste, dei um nó de vaqueiro e sentei no lombo dela. Quando eu travei a espora ela subiu e pulou uma cerca sem esbarrá o pé e saiu sartando morro acima. Ela dava aqueles pulão maneiro, lá em cima. Depois o véi olhou pra mim e disse “pode escolher a vaca”. Escolhi uma novilha moura, zebu. Daí o Gerardão, comprador de gado, disse pra mim “te dou três conto nela”. Vendi na hora. Peguei os conto e dobrei e enfiei no borsso. Só sei que o véi num gostou muito. Menino, só esperei escurecer e quando apagaram a lamparinha fui lá e roubei um pedação de requejão, peguei uma parte de rapadura e caí no mundo. Passou o tempo e fui parar em Barretos, em 1969. Foi aí que virei peão, surgiu o Zé Capeta, achei bonito.
[neg]Como surgiu o primeiro convite para participar de novela?[/neg]
Bom, eu muntei vinte anos em Barretos e em 1990 eu tava lá numa barraquinha tocando berrante, fazendo verso e ganhando aquela merrequinha. O Jaime Monjardim, diretor de novela, me viu lá e perguntou se eu queria fazer novela. Eu tava com quatro dias que num comia direito, num trocava roupa, não tomava banho porque roubaram minha mala. Ele disse “olha, estou procurando uma pessoa igual o senhor para representar um peão”. Em seguida ele pediu pra eu fazer um verso da minha vida e eu mandei esse: “Meu pai era carreiro nas estradas do sertão, por conseqüência do destino desde o tempo de menino aprendi lidar com criação. Nasci no meio do gado, meu berço foi o curral e o banco da minha escola foi lombo de animal. Muitas vezes me machuquei mais não dava demonstração, tinha medo do meu pai me tirar da profissão. Com treze ano de idade eu saí nesse mundo cão, muntando em burro brabo enfrentando até o diabo pra ganhar o meu pão. Riscando o espagão na roseta pra honrar nome do Zé Capeta até dentro do caixão”. (Nesse momento é servido um café para o Zé Capeta na redação do Jornal da Imprensa e ele solta um verso com a xícara na mão). “O Café é um nego preto, fie do pai João, tem hora que um café vale uma refeição. Pra mim ele foi dado por um amigo honesto, trabalhador e de bom coração”.
[neg]Bom, você aceitou o convite para trabalhar na novela Pantanal e como foi a sua convivência com os artistas?[/neg]
No começo foi bom demais porque eu era uma atração. Os primeiros autógrafos que eu dei na minha vida foi para os atores, atriz, câmeras, diretores e para o pessoal da produção. Pra eles eu era aquele caipira bobo lá da roça. Pra mim eles era os bestas lá da cidade (risos). Tô brincando viu, claro que eu num achava eles bestas. Eu comecei a sair na Folha de São Paulo, na revista Amiga, enfim, e isso inflamava. Eu sou o único personagem que interpreta a si mesmo no país. Minha escola foi a da vida. Não fiz faculdade, fiz foi dificuldade. Conheço a geografia do Brasil de Oiapoque ao Chuí ao vivo.
[neg]Você ficou morando onde nesse período de gravação?[/neg]
Olha, nesse dia a produtora olhou para o Jaime e disse “esse homem vai sumir!”. Ele foi e colocou dentro do meu chapéu cinqüenta mil cruzeiro. Aí pensei, “poxa, agora vou comprar um fusca mais novo que eu tinha, que era um ano 72 e eu queria um ano 74 e viver um vidão”. A produtora insistiu “Jaime, esse homem vai sumir!”. Ele foi e me deu mais cem mil cruzeiro pra eu num sumir e disse “Zé, preciso de você amanhã”. A produtora pediu pra eu num trocá a roupa, num fazer a barba porque tinha já uma continuação da novela no dia seguinte. Pegaram, me levaram pra um hotel chique, sentei num sofá e eles foi lá pra dentro pra arrumar uma vaga pra mim e daí veio o guarda do hotel, um homem grandão e fortão, e falou já gritando “o que ocê ta fazendo aí?”. E eu disse pra ele que eu era ator da novela Pantanal. Aí ele olhou pra mim e disse “se você for ator da novela Pantanal então eu sou o presidente Collor”. Me pegou pelo colarinho e já ia me levando e eu gritei “socorro, me acode aqui gente” (risos). O pessoal veio e falou “solta ele, é nosso ator”. Eu tava sujo, fedendo, mas aí o guarda e o gerente do hotel pediu desculpas e o pessoal falou pra eles que eu tava daquele jeito já pronto pra gravar no outro dia.
[neg]E a suíte era boa?[/neg]
Moço, quando entrei nela e vi aquela cama branquinha, aquele quarto bacana eu até fiquei com dó de deitá e fui dormir no carpete pra num sujar a cama. Na mesa tinha uva, pêra, maçã e eu numa fome danada e num comi nada daquilo porque achei que tinha que pagar. Era tudo pra mim, já por conta, mas eu num sabia. No outro dia fui lá e gravei dez cenas e o Jaime falou “aonde eu te acho depois porque vou fazer outra novela e quero você nela?”.
[neg]Foi a novela Ana Raio e Zé Trovão?[/neg]
Sim, foi. Ele me levou pro Rio de Janeiro e fiquei em um hotel quatro estrela e em um mês engordei nove quilos. Quando ele chegou lá eu tava barrigudo e branco e ele falou “nossa senhora!”. Arranjou dois negão e me levou lá pra praia do Flamengo pra correr dois quilômetros. Passaram em mim um óleo pra ficar mais morenin e em cinco dias eu tava mais magrim e mais escurim. A novela Ana Raio e Zé Trovão eu fiz ela inteirinha e o Silvio Santos comprou e o SBT vai reprisar agora em julho.
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Qual a sensação de sair do mundo do rodeio e passar para o mundo da tv?[/neg]
Foi como se tivesse me tirado do fogo e posto na água. Isso me transformô em uma pessoa de Deus. Não xinguei mais e não tive mau pensamento.
[neg]E as outras novelas?[/neg]
Na novela O Rei do Gado eu apareci somente em uma cena, na beira do rio, junto com o Nilton Pinto e o Tom Carvalho. Mas no restante da novela eu dublava o Bruno Mezenga (Antônio Fagundes). Ele fazia que tocava o berrante, mas era eu dublando. Fiz também uma cena em Irmãos Coragem (remake) lá em Diamantina, em uma festa do Divino. Na verdade eles me chamam pra pegar minha experiência, pra uma coisa aqui e outra acolá. Ajudei também nas novelas Estrela de Fogo e Marcas da Paixão, na Record. Toquei muito na novela América também.
[neg]E essa novela agora, Paraíso, da Globo?[/neg]
A Globo tem minha ficha todinha lá. O André Soeiro, que é produtor da novela me ligou e disse “seu Zé, estamos fazendo um remake da novela Paraíso e o Eriberto Leão vai ser o ator principal e gostaríamos que o senhor fizesse o som do berrante que ele toca”. Aceitei, mas na condição de eu dar um curso para ele, porque ele nunca pegou em um berrante. Hoje estou ganhando o cachê de músico e vou sair no CD da novela. Hoje são vários toque de berrante, da saída do boi da fazenda até a entrada no matadouro.
[neg]Você já gravou quantos CDs?[/neg]
São seis, tudo produção independente. No meu CD eu falo verso, poesia, risada e o berrante. Sempre tem umas músicas e várias letras que fizeram para mim. Eu pego elas e coloco, porque aí o direito autoral num vem atrás.
[neg]Está acontecendo aqui em Goiânia a 64a Exposição Agropecuária do Estado de Goiás. Qual é sua participação nesse evento?[/neg]
Já tem quarenta anos que eu faço essa pecuária. Nessa agora eu estou sendo patrocinado por algumas empresas. Lá aproveito e vendo meus cedezinhos e tiro fotos com o pessoal. Hoje posso me considerar o rei da fotografia (risos). Eu até brinco com o povo e digo que quando eu morrer eu num quero ser enterrado, mas sim, embalsamado, empalhado, igual aqueles animais. Colocar eu no museu lá pro povo ver o Zé Capeta. Eles deviam ter feito isso com o Boi Bandido, colocado ele em exposição e cobrado pra ver ele embalsamado, empalhado.
[neg]Essa história do povo te beijar, já aconteceu de algum homem também fazer isso?[/neg]
Tem um americano, que mora nos estados unidos e que por sinal ele tem uma mulher muito bonita e que são amigos meus demais da conta. Eu achava que conhecia bem a cidade de Barreto, porque são 40 anos que eu participo lá, da festa. Tem um camarote lá que eu num conhecia, que fica a vinte metros do chão só para estrangeiros. Paga 500 reais pra entrar lá. Esse americano amigo meu me viu lá e pegou na minha mão e disse “vou te levar num lugar ali que você não conhece”. Pegamo um elevador e descemos e quando entrei lá era aquele luxo todo, só os estrangeiro. Uma mulher muito bonita lá, de 1,85 de artura. Ela tava com um gordão, parecido chinês. Ela perguntou o meu amigo americano se podia me dar um beijo. Falei que podia e ela veio me ergueu e me beijou na boca, aquele beijo gostoso e tal. Ela me sortô e eu fiquei meio que bobo com aquilo. Daí meu amigo americano disse que o marido dela também queria me beijar. Eu disse que sim. Moço, eu achei que o homem ia me beijar no rosto, da um abracim, mas ele me ergueu e me beijou na boca (gargalhada). Aí virou aquela farra e tal, e eu cai fora antes que mais algum homem viesse beijar na minha boca. Minha intenção alí era tocar o berrante e passar o chapéu pra ganhar uns trocadim.
[neg]Você não se sente constrangido por ter o nome “capeta”?[/neg]
Fui procurar na bíblia e lá num tem o nome capeta. Olhei no dicionário e vi que capeta num tem nada a ver com demônio. Capeta é um levado, um peralta, um brincalhão, um arteiro. Eu sou católico, mas num gosto de ir em igreja. Eu rezo embaixo de uma árvore, em uma encruzilhada, em um triangulo, na beira de um rio.
[neg]Manda uns versos aí pra gente...[/neg]
“O homem quando fica véi sabe o que acontece? Ele entristece, ele aborrece, das coisa ele esquece, vai cumê a comida num desce, o estomago num obedece, fio e neto num obedece, a cabeça embranquece, a vista escurece, os dente apodrece, a barriga cresce, a coisa desce, a muié oferece, ele agradece e vai pará no INSS” (gargalhada).
[neg]Zé, essa risada, sua gargalhada é bem conhecida, ela é inconfundível...[/neg]
Sim, ficou registrada minha risada. Hoje ela é conhecida até em Portugal., na Espanha, todo mundo gravou ela. Aqui a Rádio Terra, com o Lázaro Santos, a rádio 730, lá com o Justino, todos colocam a risada.
[neg]Mais algum verso?[/neg]
Um dia eu tava lá em Barretos e chegou um senhor, destampou uma latinha de cerveja, tomou ela e jogou fora. Daí veio um véinho catou ela, colocou no saco e sumiu. Falei, “uai, isso aí da um verso”. E fiz assim: “Muié é igual cerveja em lata. Um fura, chupa, amassa e joga fora e vem outro e cata” (risos). Outro dia eu tava lá em Ribeirão e chegou uma loira bonita, sentou e fez uma pratada. Vi aquela muié bonita, cumendo gulosamente e cheguei e falei que ela me inspirou num verso. Ela falou “diz aí”. E eu mandei assim: “Quando vejo uma muié cumendo me dá um desespero, me alembro da mulherada que cumeu o meu dinheiro” (gargalhada). Hoje muitos narradores de rodeio pegam meus verso.
Fonte:Jornal da Imprensa Goiânia-GO
queria saber quais dos atores q fizeram a novela ana raio e zé trovão faleceram?
ResponderExcluirGRANDE ARTISTA!!!
ResponderExcluirÉ UM REAL BRASILEIRO ,UM EXEMPLO DE TALENTO E SIMPATIA!!
PROF CRISTYANO AYRES ayres@ufs.br
ARACAJU SE
Atores que já partiram...
ResponderExcluirLuiz Maçãs (Armando Rosas), Maurício do Valle (Cabeção), Riva Nimitz (Madre Beatriz), Miguel Magno (Billy), Yara Lins (Mãe Candinha), Luís de Lima (Pérsius de Bulhões), Hélio Souto (Walter Estrada, Bruno), Xandó Batista (Jesus)
lamento!
ResponderExcluirum dia eu saio dessa rondonia e vou no barretão, escutar o ze capeta tocar o seu berrante, porque na vida ele foi um campeão.
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