terça-feira, 29 de junho de 2010
Kubanacan
Carlos Lombardi estreou na TV aos 19 anos, escrevendo para "Telecurso Segundo Grau", na TV Cultura de São Paulo. Seu primeiro trabalho na Rede Globo de Televisão foi como colaborador de Sílvio de Abreu, na telenovela JOGO DA VIDA, mas a grande oportunidade surgiu em 1985, com VEREDA TROPICAL. Desde então, vem construindo um curículo invejável, sendo um dos poucos autores de telenovelas no Brasil a transitar sem medo por gêneros considerados 'difíceis', como a ficção científica e a aventura.
A novela UGA UGA e a minissérie O QUINTO DOS INFERNOS tiveram como característica marcante as tramas recheadas com referências à cultura pop, tais como os quadrinhos e o cinema hollywoodiano.
Seu último sucesso, KUBANACAN, já pode ser considerada um marco na televisão brasileira por utilizar a temática da viagem no tempo - com todos os paradoxos tradicionais aos quais tinha direito - como recurso dramático.
Nesta entrevista, Carlos Lombardi fala sobre preferências literárias e televisivas, processos criativos e até como lida com a Rede Globo ao propor idéias.
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LÚCIO MANFREDI & OCTAVIO ARAGÃO - Suas novelas primam pela grande quantidade de referências a outras mídias, mais especificamente quadrinhos, cinema e literatura. Em O QUINTO DOS INFERNOS, há a recriação frame-by-frame de uma cena de X-MEN 1 e UGA UGA era quase um remake brasileiro de Tarzan. Agora, em KUBANACAN, tivemos referências a romances e filmes como A IDENTIDADE BOURNE e OS 12 MACACOS, sem falar em citações explícitas a grandes artistas dos quadrinhos, como Esteban Maroto e Jack Kirby. Qual sua intenção ao utilizar tantas referências e citações?
CARLOS LOMBARDI - Minha intenção é sobreviver. Quarenta laudas por dia é uma estiva e tanto.
Na verdade, só faço citações de plot (de trama) de histórias que não sejam originais, ou seja, que apenas são mais uma das várias encarnações de um mito. Tarzan é a concretização em literatura de todas as histórias (muitas contadas de boca a boca) sobre crianças criadas na selva (uma delas é o Kaspar Hauser) que formaram um dos mitos mais comuns do século XIX. O amnésico de A IDENTIDADE BOURNE é mais um de uma longa lista de amnésicos (é só ver o John Doe, etc). Ou seja, retrabalho clichês.
A do viajante do futuro também é comum, um dos temas mais recorrentes na ficção científica - mais do que OS 12 MACACOS, lembrei de Robert Silverberg, um autor que atualmente tem pouquíssima coisa traduzida por aqui e que eu adoro.
Já as citações explícitas (Esteban Maroto, Jack Kirby) são um afago ao povo que, como eu, é fã de quadrinhos. Ou a apresentação a la Wolverine de D. Pedro no QUINTO DOS INFERNOS - uma maneira de mostrar que ninguém vai ver aqui o D. Pedro dos livrinhos de história ou do Tarcísio, jogando nele já um signo atual. A idéia veio da maneira mais banal: quando vi o Pasquim com o cabelo de D. Pedro, comentei que tava mais pra Wolverine que pra Tarcísio - aí pensei, 'é isso mesmo!'.
LÚCIO MANFREDI & LUIZ FELIPE VASQUES - Em QUATRO POR QUATRO, a filha do personagem de Humberto Martins citava NEUROMANCER, - romance de William Gibson, responsável pelo surgimento e batismo do 'movimento Cyberpunk' -, como uma de suas leituras, e agora KUBANACAN fecha com um tom de ficção científica, envolvendo viagens no tempo. Qual o seu grau de interesse pela ficção científica e, dentro desse gênero, quais são os autores e obras que você mais admira em qualquer mídia?
CL - Adoro ficção científica. Estou atrasado - na verdade, tenho lá meus autores favoritos (os óbvios Asimov, Silverberg, etc), mas sinto falta de mais traduções no Brasil. Leio em inglês, mas ficção científica é justamente um dos gêneros mais difíceis (pra mim) de ler no original. A quantidade de informações é muito grande, qualquer pequeno engano desanda tudo. Adoro DUNA e seus filhotes - e, conseqüentemente, detesto o filme, porque não foi fiel ao espírito do livro. A mini-série, mesmo sendo trash, de segunda em termos de produção e direção, pelo menos respeitou o universo original. KUBANACAN nao deixa de ser totalmente sci-fi: é um país inteirinho meu, assim como os autores de sci-fi têm planetas e às vezes universos inteirinhos criados por eles.
OCTAVIO ARAGÃO & LUIZ FELIPE VASQUES - A tradição de ficção científica na teledramaturgia brasileira, ao contrário do que a maioria pensa, é muito antiga, com exemplares como O HOMEM QUE DEVE MORRER (1971), de Janete Clair, onde um mestiço de alienígena e humana interferia na vida de uma cidade do interior, e chegando a O CLONE (2002), de Glória Perez. Você gostaria de desenvolver algum roteiro de FC que não tivesse compromissos com o humor, paródia ou sátira?
CL - Com certeza. É verdade que não acho que humor e sátira sejam inimigos da seriedade. Quem acha que só melodramas são coisas sérias é porque nao tem senso de humor ou nunca leu Shakespeare. A ironia é uma arma do realismo, não da farsa. E o MOCHILEIRO DAS GALÁXIAS é genial. Mas entendo que há uma tradição "sisuda" na sci-fi (como num dos meus favoritos, DUNA, que tem o senso de humor de uma geladeira) e sim, gostaria de me aventurar pelo ramo. Tenho, até, uma sinopse (engavetada) chamada JOÃO AO CUBO, que é exatamente uma minisérie que trata de viagens no tempo como um negócio (uma agência de turismo do tempo). Sei que nao é original, vários romances já tocaram nesse tema pelo menos de raspão. Mas gostaria de faze-lo na televisão.
LÚCIO MANFREDI, HECTOR LIMA & OCTAVIO ARAGÃO - Qual foi a receptividade da emissora à idéia de fazer uma novela que, no final, se revelava abertamente como uma história de ficção científica? Sem falar na polêmica de mostrar o protagonista como amante da própria mãe (e da tia) e ainda aquele que considero, talvez, o fechamento mais canalha das telenovelas de todos os tempos, com um tabefe cruel na cara de uma das personagens mais carismáticas da trama...
CL - É o seguinte: só saiu porque ninguém sabia. Nunca contei à direção da casa que ia terminar a novela assim - até porque tinha três opções de final, sendo uma delas uma versão espírita, a lá SEXTO SENTIDO, ou seja, Esteban estava é morto e não sabia. Nunca negociei diretamente isso com a empresa, senão tenho praticamente certeza que ouviria um NÃO. Pra muita gente, ficção científica ainda rima com camisa de força e gente babando.
OCTAVIO ARAGÃO & HECTOR LIMA - Você citou em outras entrevistas que o enredo original era muito mais simples e que o final envolvendo timetravel não era o planejado no início. Quais foram os motivos para essas mudanças e, agora que a novela acabou, o que você teria feito diferente?
CL - Mudei porque novela é assim mesmo. Você não inventa só uma história. Você inventa uma história, vai contando e você dialoga com o público e com o elenco. Esteban foi um estouro, sua história cresceu e virou a central. Portanto, gastei o que tinha previsto antes da hora. Senti que o público merecia uma explicação muito mais complicada, que realmente tentasse captar todos os afluentes que fui largando pelo caminho. Por isso mudou, porque a história cresceu, porque o público gostou e porque o Pasquim fez muito bem.
LÚCIO MANFREDI - Na sua opinião, qual ou quais as melhores formas de conciliar as estruturas tradicionais do melodrama com elementos de gêneros como ficção científica e aventura?
CL - Não sei. Não tenho receita. Sou péssimo nisso. Só sei ir experimentando e fazendo. Acredito, porém, que o segredo de um trabalho em TV é a empatia entre público - personagens - atores. Quando esse triângulo fica feliz, você só precisa ser claro ao contar a história.
Vocês não perguntaram, mas vai lá. Sempre dou uma conferida em tudo de sci-fi que aparece na tv. Detesto os filhotes de JORNADA NAS ESTRELAS, o único que acho engolível (mas nao imperdível) é ENTERPRISE, até porque o Scott Bakula tem saldo em sci-fi depois de Quantum Leap, uma delícia de seriado. Fui conferir FIREFLY e achei uma coisa pela metade, cheio de boas intenções mas nao gostei de tudo - apesar de Jane, o mercenário, ser um grande personagem, feito por um cara underated como o Adam Baldwin. Sou fã de carteirinha do finado FARSCAPE, sem dúvida o seriado de sci-fi (a meu ver) mais inteligente e bem estruturado dos últimos anos.
Fonte:Intemblog
http://www.intemblog.blogspot.com
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