sábado, 20 de novembro de 2010

Por onde anda Lélia Abramo, a Dona Lúcia de Ana Raio e Zé Trovão?

(São Paulo em 08/02/1911 - São Paulo em 08/04/2004).

Lélia Abramo é filha de imigrantes italianos, e trouxe da origem familiar a aptidão pelas lutas políticas. A atriz foi criada num casarão no bairro do Ipiranga, em São Paulo, com sete irmãos. O pai Vicenzo Abramo era empresário da área têxtil. Tinha sido sócio do conde Francisco Matarazzo em uma fábrica de tecidos no final da primeira década do século, até naufragar pouco tempo depois. Vicenzo morreu em 1949, sem ver a filha que estava na Itália. A casa sempre foi reduto de encontros entre jornalistas, escritores, artistas e políticos da esquerda brasileira. O caçula Cláudio notabilizou-se como um dos maiores jornalistas da história do Brasil. Já Lélia era fascinada pela ribalta.
Junto com seus irmãos, o artista plástico Lívio Abramo, Beatriz Abramo, os jornalistas Athos Abramo, Fúlvio Abramo e Cláudio Abramo, faz parte de uma família que teve grande presença na história brasileira, tanto na militância política como na arte. Lélia participou dos primeiros momentos de fundação da Oposição de Esquerda no Brasil, sempre se assumindo como uma simpatizante do trotskismo. Ela também foi militante e fundadora do Partido dos Trabalhadores, tendo assinado a ata de fundação do partido. Foi uma personalidade presente em diversos momentos da vida política brasileira, como nas Diretas Já.

Seus sonhos de ser atriz foram adiados pela crise financeira da família, quando ela arrumou emprego num banco. “Meu pai não queria, mas não podia impedir”, recorda. Na época, já usava cabelos curtos e usava saias na altura do joelho. Com conhecimento de mercado financeiro e juros, fazia os cálculos das aplicações de 400 clientes por dia. De lá, transferiu-se para uma fábrica, onde era responsável pelos salários dos funcionários. “Vocês estão sendo explorados”, disse, certo dia, aos colegas do trabalho. Algumas horas depois, estava desempregada. “Fui delatada por uma pessoa que ouviu a conversa”, conta. Era um sinal das causas da esquerda que abraçou a vida inteira.
No início de 1941, ela se questionava sobre o que o futuro lhe reservaria. A preocupação tinha sua razão. Lélia Abramo descobriu aos 30 que tinha um problema sério de saúde, pois sentia fortes dores na cabeça e sofria com febres freqüentes. Consultou dezenas de médicos no Brasil, mas nenhum soube diagnosticar a doença. Cinco anos mais tarde, sua irmã Beatriz casou-se com um oficial do exército italiano, que foi chamado para voltar à terra natal. Lélia pegou carona e foi para a Itália cuidar da saúde. Foi atendida por um médico que descobriu as causas de seu problema: cistos no ovário esquerdo. A cirurgia para a retirada do órgão afetado foi marcada, mas um outro cirurgião a operou. Ao acordar, ela descobriu que o médico havia retirado o ovário saudável e que nunca mais poderia ter filhos. “Foi um choque”, diz. “Abdiquei do casamento a partir daí. Eu queria uma porção de filhos”, lembra.
Mesmo depois do tratamento, Lélia não voltou ao Brasil. A Segunda Guerra Mundial estava em pleno fervor na Europa e ela teve que ficar. Sem dinheiro e com a saúde debilitada, perambulava pelas ruas de Roma, na Itália, atrás de alimentos. Testemunhou o racionamento imposto pelo governo em função dos conflitos.
Em 1950, com o fim da Grande Guerra, Lélia pôde enfim voltar ao Brasil, após 12 anos. Foi época da eleição de Getúlio Vargas à presidência da República. “Eu me sentia uma estranha dentro de meu próprio país”, recorda a atriz. Durante um tempo, trabalhou como jornalista da agência de notícias Ansa, sob o comando do jornalista Giannino Carta. Ao mesmo tempo, atuava em grupos de teatro amador voltados à colônia italiana. Em 1958, com 47 anos, foi convidada para participar da primeira montagem de "Eles não Usam Black-tie", uma peça de Gianfrancesco Guarnieri. Ganhou o papel de Romana, personagem que morava num morro do Rio de Janeiro. “Todos achavam que eu seria um fracasso por causa de meu forte sotaque italiano”, recorda a atriz. No dia da estréia, foi aplaudida de pé pelo público do Teatro de Arena, no centro da cidade. E, no mesmo ano, abocanhou o prêmio da Associação dos Críticos Teatrais de São Paulo e o Prêmio Saci, como melhor atriz coadjuvante. “Foi aí que surgiu meu primeiro convite para a tevê”, diz Lélia.
No final da década de 60, a tevê brasileira começava as transmissões de programas ao vivo. Os atores ensaiavam os textos por até oito horas para evitar gafes no ar. Sua primeira novela foi "A Muralha", transmitida dos estúdios da TV Cultura, em São Paulo, às terças e sextas-feiras. No cinema, estreou em "Vereda da Salvação", de Anselmo Duarte, em 1964. No mesmo ano, foi convidada para participar da inauguração de uma nova emissora carioca: a TV Globo. “Todos os artistas correram para lá”, lembra. Treze anos mais tarde, a emissora seria a responsável por sua maior decepção. Eleita presidente do Sindicato dos Artistas de São Paulo, Lélia queria melhores condições de trabalho para a categoria. De uma hora para outra, sua personagem na novela "Pai Herói" morreu. “Daí em diante, fiquei esquecida”, diz. “Acabaram com meu direito de trabalhar.” No ostracismo profissional, abraçou a luta sindical.
Participou de 27 telenovelas, 14 filmes e 23 peças de teatro, tendo convivido com grandes nomes do teatro paulista, como Gianni Ratto e Gianfrancesco Guarnieri. Recebeu os mais importantes prêmios do País como melhor atriz e seu último trabalho no teatro foi em "A Mãe de Brecht" em 1985. Na televisão depois de ser "esquecida" pela Rede Globo foi para a TV Manchete onde fez "Mania de Querer" e uma pequena participação em "A História de Ana Raio e Zé Trovão".
A editora da Fundação Perseu Abramo lançou sua autobiografia em 1997, intitulada "Vida e Arte - Memórias de Lelia Abramo".
Antonio Candido descreve Lélia Abramo como uma atriz que "nunca vergou a espinha, nunca sacrificou a consciência à conveniência e desde muito jovem se opôs à injustiça da sociedade. Que sempre rejeitou as vias sinuosas e preferiu perder empregos, arriscar a segurança, sofrer discriminações para poder dizer a verdade e agir com seus pontos de vista..." (prefácio Vida e Arte)

Faleceu em 9 de abril de 2004, aos 93 anos, vítima de uma embolia pulmonar.
Carreira
No teatro
1958 - Teatro de Arena - SP - Romana em Eles Não Usam Black-Tie de Gianfrancesco Guarnieri
1959 - São Paulo SP - Gente como a Gente
1960 - São Paulo SP - Mãe Coragem de Brecht
1961 - São Paulo SP - Raízes
1961 - São Paulo SP - Pintado de Alegre
1961 - São Paulo SP - Oscar
1961 - São Paulo SP - Os Rinocerontes
1962 - São Paulo SP - Yerma
1962 - São Paulo SP - As Visões de Simone Machard
1963 - São Paulo SP - Os Ossos do Barão
1964 - São Paulo SP - Vereda da Salvação
1965 - São Paulo SP - Os Espectros
1968 - São Paulo SP - Lisístrata
1968 - São Paulo SP - Agamêmnon
1969 - São Paulo SP - Romeu e Julieta
1975 - São Paulo SP - Ricardo III
1977 - São Paulo SP - Pozzo em Esperando Godot de Samuel Beckett. Direção Antunes Filho
1985 - Rio de Janeiro RJ - A Mãe de Brecht


Na televisão
1990 - A história de Ana Raio e Zé Trovão .... Lúcia
1990 - Fronteiras do Desconhecido
1986 - Mania de querer .... Margô
1985 - O tempo e o vento .... Bibiana (idosa)
1983 - Pão pão, beijo beijo .... Mama Vitória
1982 - Avenida Paulista .... Bebel
1979 - Pai herói .... Januária Brandão
1976 - O julgamento .... Felícia
1975 - Um dia, o amor .... Lucinha
1973 - Os ossos do barão .... Bianca Ghirotto
1972 - Uma Rosa com Amor .... Amália
1972 - Na idade do lobo
1971 - Nossa filha Gabriela .... Donana
1970 - O meu pé de laranja lima .... Estefânia
1970 - As bruxas .... Chiquinha
1969 - Dez vidas
1968 - O terceiro pecado
1967 - Paixão proibida
1966 - Redenção .... Carmela
1966 - Calúnia .... Sarah
1965 - Um rosto perdido .... irmã Rosa
1965 - Os quatro filhos
1964 - Prisioneiro de um sonho
1964 - João Pão
1963 - Gente como a gente
1961 - A Muralha


No cinema
1994 - Mil e Uma
1992 - Manôushe
1983 - Janete
1981 - Eles não usam black-tie
1979 - Maldita Coincidência
1975 - Joanna Francesa
1974 - O Comprador de Fazendas
1970 - Beto Rockfeller
1970 - Cleo e Daniel
1968 - O Quarto
1967 - O Caso dos Irmãos Naves
1967 - O Anjo Assassino
1964 - Vereda de Salvação
1960 - Cidade Ameaçada


Prêmios
1958 Saci - Personagem Romana em Black-tie
1958 APCA - Personagem Romana em Black-tie
1958 Governador do Estado - Personagem Romana em Black-tie
1958 Círculo Independente de Críticos Teatrais do Rio de Janeiro - Personagem Romana em Black-tie
1958 Associação Brasileira de Críticos Teatrais - Personagem Romana em Black-tie
1964 Roquete Pinto - SP. Pelo conjunto de seu trabalho
1975 Associação Paulista de Críticos de Arte. Pelo conjunto de seu trabalho
1976 Governador do Estado de Melhor Atriz Personagem Pozzo em Esperando Godot

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