quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Pequeno Dicionário de Árvores Urbanas

Jacarandá


Por Carol Ribeiro

Setembro. Equinócio. Primavera no Hemisfério Sul. É a hora do sabiá, no auge de seus instintos sexuais, começar a cantar noite e dia no intuito de garantir uma fêmea para esta temporada. Tempo de ninhos e filhotes. Tempo de Tim Maia cantando: “é primavera, te amo, hoje o céu está tão lindo…” ; tempo do chuvisco e da chuva criadeira que aporta e faz surgir o cheiro único de terra molhada. Tempo das flores e de olhar para cima. Tempo de nuvens no céu.


É também o momento da renovação, de começar o novo de novo. Neste ciclo infinito, qual passageiros ou condutores seguimos juntos nesta viagem. Da janela poderemos ver o transitório e o impermanente das flores que se repetem, ano após ano; observar o crescer lento das árvores, no sentido do céu, produzindo as sementes que perpetuarão a sua espécie. Silentes, estáticas, singulares, árvores somos todos nós:


Ipês. Marcam o final do inverno e o início da primavera. Vestem-se de flores, completamente despidos das folhas. Um espetáculo! A florada é quase um insulto de tão intensa. Primeiro florescem os roxos, depois os amarelos, os brancos (duram três dias) e os cor-de-rosa, nesta ordem. Produzem incontáveis sementes leves, de fácil propagação e brotação desde que plantadas logo após a abertura das vagens.


Existem mais de 250 espécies diferentes de tabebuias distribuídas pelo território nacional. Ipê-de-flor-verde, ipê-tabaco, ipê-do-cerrado, ipê-branco-sulferino, ipê-da-serra, ipê da mata. Seus brotos e sementes servem para alimentar as maritacas, sua madeira é ideal para movelaria e sua presença na arborização urbana é fundamental para colorir, ainda que por alguns dias, o cinza do asfalto por onde caminhamos.


Jacarandá-mimoso. A árvore das flores azuis, nativa da Argentina, Peru e Sul do Brasil, também perde as folhas antes da florada, intensa, composta de flores pequeninas que preenchem toda a árvore, primorosamente. Parecem ter saído de um quadro impressionista, a copa em tons azul-lilás lembra um sonho, um devaneio. Um pedaço do céu que invade a terra, os olhos e a alma de qualquer cidadão.


Felizmente, em São Paulo temos alguns indivíduos de grande porte, plantados ainda no tempo da minha avó, e muitos outros distribuídos pelo mundo, em Portugal, África do Sul, Estados Unidos, compondo magníficas alamedas a partir de sementes originárias do Brasil. Veja algumas fotos.


Suas vagens secas parecem uma rã de boca aberta, e são usadas em artesanato e guirlandas naturais. Destaque para o Jacarandá-da-Bahia e para o Jacarandá-de-Minas, com uma coloração ligeiramente mais arroxeada. Uma jóia rara por aqui.


Angico. Árvore de grande porte, com florzinhas brancas, mínimas, em forma de pom-pom, adoro imaginá-las ao lado do jacarandá mimoso tingindo o céu de branco e azul. Não vejo muitos nas ruas da cidade mas basta sair um pouco e notamos sua presença florida nas matas pelo interior do país. Sua casca tem poderes curativos, além de grande concentração de tanino.


Santa-bárbara. Tipo de copa grande, aberta, dá cachos de flores que, de longe, chama a atenção graças ao tom que sai do branco passa pelo rosa até encontrar o lilás. As flores formam uma massa cinza-rosa maravilhosa. Originária da Ásia, encontrou solo propício no Brasil e hoje se confunde com a vegetação nativa. Tem poder inseticida e hipnótico para aqueles que, como eu, tropeça por uma flor.


Árvores de flores amarelas. Sibipiruna. Tipuana. Guapuruvu. Pau-ferro. Representantes legítimas da imensa família leguminosae tem em comum a cor amarela das flores. Povoam a cidade de São Paulo espremidas nas calçadas estreitas, dispersas nos parques e nas praças, pintam de verde amarelo a primavera urbana. Cada qual com características bastante particulares, juntas compõem fortemente o paisagismo urbano.


A sibipiruna tem esse nome lindo, inesquecível, e um buque de flores entre as folhas pequeninas e brilhantes. Copa densa, sombra fresca. As tipuanas são imensas, cheia de galhos que crescem rapidamente. Em seu tronco enrugado samambaias, orquídeas e ripsális se proliferam. Costumam perder as folhas no inverno para lançá-las novamente na primavera, em seguida se enche de flores que desprendem-se da copa para as calçadas, ao sabor do vento.


Reconheço um guapuruvu pelo porte, único. Árvore de madeira mole e vida curta, é considerada matéria prima ideal para esculpir canoas em virtude da facilidade no manejo e do formato do tronco, alto e retilíneo, que desponta em uma copa imponente que nestes tempos começam a se encher de folhas.


Ao contrário, o pau-ferro tem a madeira tão dura que chega a soltar faíscas se golpeada com um machado. Sua casca clara com manchas arredondadas em diversos tons de marrom permite sua identificação imediata.


E assim a primavera colore a cidade de flores que adentram o verão, até dissolver-se no outono. Nos acompanham nesta jornada os paus-formiga, as quaresmeiras, os manacás, as paineiras rosas, brancas e vermelhas; também o abricó-de-macaco, abundante no Rio de Janeiro, e as corticeiras ou mulungus que, com suas flores vermelhas, finas como as velas em um candelabro ou no formado de bico-de-papagaio, incendeiam a paisagem de vermelho quando a terra fica seca no inverno.


Quando você planta árvores contribui para dispersão de sementes, para melhorar a qualidade de vida no planeta, para garantir a qualidade da água e do solo. Quando você planta árvores suas mãos ficam mais ásperas e o seu coração mais macio. Mas nem precisa sair de casa, mexer na terra, sujar as mãos.


Virtualmente, acessando o clickarvore – projeto pioneiro que há dez anos recupera áreas degradadas em diversos estados brasileiros –, você pode plantar uma muda grátis diária; escolhe e planta onde quiser, não é o máximo?


E tem mais. Aqueles que vivem intensamente as redes sociais, já podem seguir uma árvore com sua sabedoria vegetal e falar com ela, em inglês, neste site. Pessoalmente, observo as árvores reais, procuro saber seus nomes, conhecer seus hábitos de florada. Sempre que possível, ando com os pés terra e a cabeça nas nuvens…


P.S. Para encerrar esta coluna primaveril, um haikai de Matsuo Bashô, escrito por volta de 1685


“primavera não nos deixe
pássaros choram
lágrimas no olho do peixe”


(Tradução: Paulo Leminski, in Bashô, a lágrima do peixe, ed. Brasiliense, 1983)

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