sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O Novo 5 Vezes Favela

Lançado em 1962, o longa “Cinco Vezes Favela” é considerado uma das obras fundamentais do Cinema Novo. À época, cinco jovens cineastas (Marcos Farias, Miguel Borges, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirszman) subiram o morro para mostrar o cotidiano das favelas cariocas. Quatro décadas depois, é realizado o caminho inverso, com o filme “5x Favela – Agora por Nós Mesmos”, que estreia nesta sexta-feira (27) nos cinemas.

Idealizado por Leon Hirszman (1938-1987), um dos diretores do longa original e a quem o novo foi dedicado, o projeto desta vez subiu os morros para selecionar sete jovens cineastas, moradores de comunidades cariocas, que ganharam a chance de mostrar o próprios ponto de vista sobre onde vivem (daí o “Por Nós Mesmos” do título). Cacá Diegues entrou em contato com ONGs localizadas nas favelas e, a partir de oficinas com centenas de alunos, foram selecionadas as equipes de filmagem.

“O projeto em si começou há uns quatro anos. Fizemos as oficinas de roteiro, depois houve todo o processo de captação e, por fim, cada diretor teve uma semana para filmar”, conta Luciano Vidigal, 31 anos, que dirigiu uma das histórias e também atuou em outra. O jovem cineasta, aliás, é velho conhecido de Cacá Diegues, desde que participou de um dos episódios do longa “Veja Esta Canção”, de 1994.

Vidigal é o diretor de “Concerto de Violino”, uma história cujo roteiro saiu de uma oficina do AfroReggae e que gira em torno de três amigos de infância que seguiram trajetórias diferentes. Samuel de Assis interpreta o policial Ademir, que agora adulto reencontra os amigos Jota (Thiago Martins), traficante do morro, e Márcia (Cintia Rosa), violinista, em uma situação nada favorável.

O curta tem a história mais tensa das cinco, abordando de perto a violência nas comunidades. “O tráfico é minoria na favela. De umas 200 mil pessoas que moram na Rocinha, por exemplo, nem 1% pertence ao tráfico. O restante são trabalhadores. Mas também temos que mostrar que existe isso”, diz Vidigal.

Segundo o diretor, “Concerto de Violino” tem uma mistura de personagens reais e ficcionais. “Eu tenho amigos de infância que foram para o tráfico”, conta. Além disso, a história aborda a atuação em conjunto de policiais e traficantes. “Isso nunca é mostrado nos filmes, mas é a realidade”, diz.

Experiência

Para o ator Samuel de Assis, que recentemente pôde ser visto na TV na série “Na Forma da Lei” (Globo), “5x Favela” não deixou nada a dever para produções feitas por profissionais “mais experientes”. “Eu emendei as filmagens de ‘Chico Xavier’ com esse longa e o Daniel Filho (diretor) foi meu grande mestre para aprender a fazer cinema. Mas o Luciano também foi tão absurdamente parceiro, me ensinou, discutiu coisas comigo, que não vi diferença nenhuma. Para mim, ele não é iniciante, foi genial.”

Filho de um coronel da Polícia Militar de Aracaju (SE), Assis conta que seu personagem no longa foi um dos mais difícieis de sua carreira. “Eu pedia conselhos para o meu pai sobre como agir, mas aí me diziam que no Rio de Janeiro as coisas eram diferentes”, afirma o ator, que até pensou em desistir da carreira durante as filmagens . “Quando gravei a cena final, tive uma crise de choro. Bateu aquela insegurança, de que eu não servia para a coisa. Mas ainda bem que logo passou”, diz, aos risos


Outras histórias
Mas enquanto Luciano Vidigal pegou o roteiro mais “difícil” de “5X Favela”, os outros diretores puderam mostrar que a vida nas comunidades não é só violência e tráfico. “Deixa Voar”, de Cadu Barcellos, fala do cotidiano dos garotos que ainda empinam pipa no morro. Já “Arroz com Feijão” (Rodrigo Felha e Cacau Amaral) traz a divertida história de um menino que sai em busca de recursos para comprar frango para o pai, cansado de comer só arroz e feijão todos os dias.

“Fonte de Renda” (Manaíra Carneiro e Wagner Novais) aborda as dificuldades de um jovem que entra para a faculdade de Direito, mas conta com poucos recursos para manter os estudos. Finalizando, “Acende a Luz” – de Luciana Bezerra - é uma comédia sobre um grupo de moradores que, em plena noite de Natal, sofrem com a falta de luz no local.

Em todas essas histórias, não há apelação, pieguice ou exagero, mas sim um pouco da realidade cotidiana de 26% da população brasileira. Enquanto o primeiro “5 Vezes Favela” tinha uma conotação mais política, o novo projeto foca no aspecto social, e sai vitorioso em sua empreitada. Tanto que foi o grande vencedor do último Festival de Paulínia, levando sete prêmios, incluindo os de melhor filme e júri popular.

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