segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Aguinaldo Silva entrevista Walcyr Carrasco










Dia desses eu jantei com Walcyr Carrasco lá no Antiquarius. Workaholics que somos, falamos o tempo todo de trabalho, com raras digressões sobre nossas vidas pessoais e as dos outros. Na mesa ao lado um cidadão, já cheio de birita, de vez em quando pegava o celular, ligava para uma mulher – na certa a atual ou ex-esposa – e a mandava tomar no toba. Nós dois, como manda a educação, fingíamos não ouvir nada, mas anotávamos tudo mentalmente com vistas a futuros trabalhos… Pois é assim que funcionamos. Walcyr, vocês sabem, foi eleito o autor do ano pelo blogão, não só por causa de “Caras & Bocas”, mas também porque “Alma Gêmea” está arrebentando no Vale a Pena Ver de Novo. Foi desse jantar que saiu a entrevista que publico agora. Curtam Walcyr Carrasco, pois esse é o cara!

1, Você é um trabalhador compulsivo: é verdade que entregou uma sinopse à Rede Globo enquanto escrevia “Caras & Bocas”?

Ah, eu tenho mesmo paixão por escrever. Vivo tendo idéias, tantas que seria impossível escrever todas. Eu não cheguei a entregar uma sinopse durante Caras&Bocas. Mas tive idéias para duas novelas diferentes. Uma aconteceu de forma estranha. Durante meu vôo para a África do Sul, quando fui escolher as locações de Caras&Bocas, sonhei com uma história inteira, começo, meio e fim. Uma história espiritualista. E senti que devo escrevê-la de qualquer maneira. Mas depois, tive outra idéia, também muito diferente, e contei para o Manoel Martins, que se interessou por ela. E agora vamos decidir o que farei, em breve. Mas se a história mística não virar novela, se transformará em um livro. Eu sinto que tenho a missão de contar esse sonho.


2, Dos autores mais jovens você é o único que possui um estilo. Já se pode dizer quando uma novela “é do Walcyr”. Isso é bom ou ruim?

Agradeço pelo “jovem”! É muito gentil da sua parte, Agnaldo, mas sou um senhor bem maduro. Bem, eu acho que um autor, à medida que evolui, cria um estilo, e isso é muito positivo. Se já é possível reconhecer o meu, fico feliz. O importante é não deixar que esse estilo se transforme em uma camisa de força. Faço de tudo para não me tornar repetitivo.


3, Depois de emplacar dois sucessos ao mesmo tempo – “Caras & Bocas” e a reprise de “Alma Gêmea” – você pode escolher seu próximo horário. Então: novela das seis, das sete ou das oito?

Eu tive, como contei, duas idéias, uma tem o jeito das seis, outra das sete. E não cheguei a apresentar um projeto para as oito! É claro que no futuro pretendo fazer uma novela das oito, até porque tive meu primeiro sucesso às 22 horas, com Xica da Silva, na extinta TV Manchete. Sinto falta de algumas discussões mais profundas que só o horário das oito permite. Mas eu gostaria de contar uma dessas duas histórias que estão na minha cabeça antes de partir para outro projeto.


4, Antes de ser novelista foi jornalista. Sua experiência profissional anterior ajudou ou atrapalhou?

Ajudou muito, e acho que você sabe disso. Foi jornalista também! Eu estou acostumado a pesquisar os assuntos sobre os quais escrevo, dominá-los de alguma maneira, estudar uma linguagem, um sotaque, para um personagem. Mais que isso: como jornalista, aprendi a trabalhar com prazos! Em jornal, revista, o horário de mandar o material para a gráfica é fundamental. E como autor, faço de tudo para não atrasar o envio de capítulos!

5, Como é sua relação com a mídia?

Minha relação com a mídia mudou ao longo dos anos e confesso que para pior. Eu vim de uma escola de jornalismo muito séria: trabalhei com o Élio Gaspari, a Dorrit Harrazin, por exemplo. Colegas do meu tempo de jornalismo hoje são diretores de grandes revistas, como o Euripedes Alcantara, da Veja. Então, eu fui do tipo que buscava obsessivamente uma informação, jamais publicava algo sem ter prova, certeza. E buscava ter um comportamento ético. Quando passei a viver como autor, cruzei uma fronteira: de entrevistador me transformei em entrevistado. No início era muito aberto, legal, jamais deixava de responder qualquer pergunta por respeito aos jornalistas em geral. Mas já fui vítima de notas inventadas, maldosas. De entrevistas inescrupulosas. Por conta disso, hoje sou muito ressabiado, prefiro dar entrevistas por escrito, porque assim não há dúvida sobre o que falei.


6, E sua relação com os atores?

Há dois tipos de atores. O primeiro é aquele que se torna parceiro do trabalho, luta pelo sucesso junto comigo, oferece o melhor de si. E para isso ele precisa acreditar no meu texto, na minha trama. Quando há essa química, como entre eu, a Flávia Alessandra, o Malvino Salvador, o Marcos Pasquim, a Deborah Evelyn, o Ary Fontoura, a Elizabeth Savalla, para citar só alguns de Caras&Bocas, o trabalho flui, nos tornamos amigos, queremos nos encontrar sempre durante a novela. Mas também há outro tipo de ator: é o que está numa viagem pessoal, de puro ego, que não se importa com o texto, com o que realmente quero dizer. Quer somente aparecer, fazer suas piadas, fala até mal do autor pelas costas, tenta conduzir sua própria trama. Já trabalhei com gente assim, mas prefiro não dar os nomes por motivos éticos. Trabalhar com esse tipo de pessoa é um desgosto. Farei sempre o máximo para não me aproximar de atores desse naipe.

7, Já recebeu algum convite para trocar de emissora? O que acha dessa possibilidade?

Recebi sim e não foi só uma vez. Mas os convites que recebi foram durante a vigência dos meu contratos. Eu não acho correto romper um contrato com uma emissora como a Globo que sempre me tratou bem, me deu oportunidades, acreditou em mim. Também acho que quem me propõe romper um contrato hoje pode querer romper comigo amanhã. Assim, as conversas nunca foram adiante. Ninguém sabe o dia de amanhã. Mas eu só trocaria de emissora se houvesse um projeto sério, concreto, de teledramaturgia. A questão salarial é importante, é claro. Mas eu amo escrever. Por mais dinheiro que ganhasse, sofreria muito se não tivesse oportunidade de continuar meu trabalho com a mesma qualidade.

8, Faz novelas, teatro, literatura, escreveu roteiros para o cinema… O que mais lhe agrada?

Aguinaldo, essa resposta parece fácil mas é a mais difícil. A gente é criado em cima dessa noção do “melhor”, “o que mais gosta”. Como se cada coisa que se fizesse na vida estivesse concorrendo com outra, disputando minha preferência íntima. Eu evito olhar a vida sob esse prisma. Cada trabalho é uma viagem particular, cada coisa que faço na vida é única, preciosa de alguma maneira.

9, Como se sente ao escrever para milhões de pessoas?

Eu tento nem pensar muito nisso, é uma loucura! Não dá para imaginar. Mas é claro, durante a novela eu sinto na rua, em qualquer lugar que eu vou, o impacto da novela. No momento de escrever, eu abstraio. Escrevo com minha emoção, minha intuição. Para mim é impossível pensar racionalmente nos sonhos, desejos, desses milhões de telespectadores. Então, tento deixar que minha alma se expresse. Só ela é capaz de falar com tanta gente!

10, Qual é o seu sonho de consumo? E o profissional?

Ih, meu sonho de consumo? Eu gosto das coisas simples da vida: jantar com amigos, bater papo, ler. Eu não gostaria de ter uma vida mais sofisticada do que eu já tenho, por exemplo. Mas adoro arte. Ter obras de grandes artistas é sim um sonho de consumo. Profissionalmente? Quero fazer exatamente o que tenho feito: escrever. Atualmente, vou começar um livro, uma história que está na minha cabeça há muito tempo. Mas o tema é segredo!

E já que estou falando em bons encontros com amigos, precisamos jantar juntos em breve, novamente!




Fonte:Aguinaldo Silva Blog